Crise oferece uma oportunidade ao Brasil
05/01/09
As previsões para a economia brasileira em 2009 não são das mais brilhantes. O crescimento deve cair e o desemprego, aumentar em relação aos anos anteriores. Ainda assim, a crise global oferece uma grande oportunidade para o Brasil se firmar como destino seguro e rentável para os investimentos internacionais, o que abre perspectivas para a sustentabilidade do crescimento econômico nos anos seguintes.
Tal oportunidade resulta da conjunção de uma série de fatores favoráveis que colocam o país numa situação ímpar quando comparada a episódios anteriores de crises de natureza externa.
Em primeiro lugar, as origens da turbulência atual estão dentro das próprias economias desenvolvidas, devastadas por uma combinação de relaxamento monetário prolongado com ausência de regulação financeira adequada. Os países emergentes, e o Brasil em particular, não são os causadores desses problemas, embora também tenham se beneficiado do ciclo de expansão mundial turbinado pela política monetária norte-americana.
Esse fato, por si só, representa uma face “positiva” da crise sob a ótica do Brasil. Não precisamos consertar nosso sistema financeiro com ajudas bilionárias e nem resolver a vida dos milhões de mutuários atropelados pela crise das hipotecas. É claro, o Brasil está sendo atingido por uma crise brava de demanda, mas não há danos estruturais no sistema financeiro e tampouco perdemos a capacidade de usar a política monetária para enfrentar o ciclo econômico recessivo. Uma coisa é o carro parar por falta de gasolina. Bem diferente é parar por um defeito no motor…
Em segundo lugar, a crise chega ao Brasil no momento de maturação das políticas macroeconômicas responsáveis praticadas de forma continuada desde o Plano Real, assim como de algumas reformas microeconômicas implementadas ao longo dos últimos anos. Graças a isso, o país conseguiu desligar dois vetores típicos de propagação das crises externas.
Um deles é a contaminação das contas fiscais pela depreciação da taxa cambial, o que dá ensejo a um círculo vicioso no qual a súbita queda dos fluxos de capitais externos impacta negativamente as finanças públicas, via dívida pública em moeda estrangeira, afetando negativamente a confiança dos investidores no país, o que acarreta deterioração adicional na conta de capital do balanço de pagamentos. Desfrutando da condição de credor líquido em moeda estrangeira, e com reservas internacionais acima dos US$ 200 bilhões, o país viu-se na condição inédita de redução de sua dívida pública líquida quando da desvalorização do real. Com isso, as condições de solvência do Brasil não pioraram com a crise, ao contrário melhoraram.
O outro vetor típico são os efeitos da crise externa sobre a estabilidade financeira doméstica. Crises cambiais e crises financeiras costumam ser gêmeas, principalmente em economias emergentes. A volatilidade da taxa de câmbio e a perda súbita do financiamento externo frequentemente levam à instabilidade financeira, como ocorreu em muitos países asiáticos em 1997. Não é esse o caso atual do Brasil. As instituições financeiras não têm exposição cambial expressiva e sua dependência de recursos externos é moderada, sendo de origem doméstica o grosso de suas captações, pelo menos no que diz respeito às instituições sistemicamente relevantes.
Em razão dos fatores acima mencionados, a crise econômica mundial não fará a economia brasileira cair em recessão. Longe disso, o Brasil poderá ter em 2009 uma taxa de crescimento próxima à média dos últimos 10 anos, o que não é pouco se levada em consideração a severidade da contração observada nos países desenvolvidos. Da mesma forma, não há por que esperar uma duração prolongada da desaceleração em nosso país.
A economia brasileira cresceu nos últimos três anos fundada primordialmente sobre causas domésticas, como o aumento do crédito e da massa real de salários. Com relação à oferta de crédito, os fatores que levaram a sua desaceleração nos últimos dois meses são de natureza relativamente benigna, quando comparados com o processo rápido de desalavancagem que afeta no momento a economia americana e de outros países desenvolvidos. É certo que as condições de crédito estarão mais restritas nos próximos meses, como também é de se esperar um aumento da inadimplência. Mas, apesar disso, o sistema bancário sustentará um crescimento real positivo do crédito em 2009, o que ajudará a sustentar a demanda em níveis razoáveis.
Por outro lado, o impacto da crise sobre as expectativas de empresários e dos consumidores tem um importante papel na desaceleração do crescimento que ora se observa no Brasil. É natural que, colocados diante do bombardeio de notícias negativas, os agentes econômicos adiem decisões de investimento e de consumo. Mas fenômenos expectacionais dessa natureza podem ser revertidos rapidamente, até porque as reações tendem a ser exageradas de início. Mesmo com a permanência da crise de crescimento no exterior, é razoável esperar certa acomodação das expectativas domésticas nos próximos meses.
Ademais, as taxas reais de juros são expressivamente positivas no Brasil, o que significa que há espaço para uma política monetária ativa, ao contrário do que se verifica nos EUA e em outros países, onde os juros nominais estão próximos de zero. O Banco Central, sempre observando a meta de inflação, deve reduzir os juros ao longo desse ano, o que representará mais um estímulo positivo para a demanda doméstica.
Não se trata de subestimar a crise atual, a mais intensa desde o desastre de 1929. Porém, o Brasil reúne condições de enfrentá-la com poucos danos a sua capacidade de crescimento no curto e médio prazos, o que significa que podemos sair na frente da captação de recursos externos, assim que os investidores internacionais começarem a refluir da condição atual de extrema aversão ao risco, causada pelo pânico financeiro. Seremos um dos poucos países a apresentar uma relação retorno-risco atraentes para investidores que, ainda chamuscados pelas perdas recentes, têm necessidade de buscar retornos positivos. Essa é a uma grande oportunidade.
Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do BC do Brasil – Sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Valor Econômico