Avanço chinês sobre jazidas de minério ameaça soberania
02/08/10
O avanço chinês sobre jazidas de minério de ferro localizadas no Brasil, com destaque para áreas em Minas Gerais, poderá gerar efeitos negativos para a economia nacional, especialmente no Estado, devido ao peso do setor extrativo na formação do Produto Interno Bruto (PIB). A investida chinesa, que conta com a presença de estatais daquele país – que não pode ser apontado como uma economia de mercado -, traz ainda o risco de contenciosos diplomáticos no futuro e de enfraquecimento da soberania brasileira sobre a matéria-prima. Outra ameaça no horizonte é a subvalorização do minério de ferro que será extraído e exportado pelos chineses, que podem tentar beneficiar suas siderúrgicas com insumo barato.
O ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto adverte que o risco da invasão chinesa reside no controle estatal das mineradoras daquele país. ?Só dois países no mundo acreditam que a China é uma economia de mercado: a China e o Brasil?, diz.
Delfim considera que o Brasil não faz distinção entre a origem – privada ou estatal – do capital das mineradoras estrangeiras, o que pode trazer contenciosos diplomáticos. Enquanto uma multinacional privada pode abrir uma mina de ferro no Brasil e exportar o produto competindo com os outros players do setor, praticando preços de mercado, uma estatal chinesa pode optar por uma estratégia que favoreça a verticalização da produção de aço naquele país, atendendo a uma determinação do Estado. ?O preço do bem final é um preço político?, alerta o ex-ministro.
Um exemplo de impasse que pode surgir no futuro diz respeito à tributação. ?Amanhã, vamos fazer um imposto de exportação de ferro e vão dizer que não pode??, questiona Delfim. ?Nós temos que abrir os olhos. Negócio da China, só tem para chinês?.
Apesar da advertência quanto ao controle das mineradoras chinesas pelo Governo, Delfim ressalva que o alerta vale para estatais de qualquer país. Afinal, por trás deste tipo de empresa há sempre um estado soberano.
O ex-ministro João Camilo Penna endossa a tese de risco de controle estatal estrangeiro sobre as minas brasileiras. ?Traz perda de soberania?, afirma, ao lembrar que a China importa commodities e exporta bens manufaturados competitivos devido a um câmbio subvalorizado e baixos custos de produção, o que ameaça a indústria brasileira.
A China cresce a taxas exorbitantes, e uma das estratégias governamentais para impulsionar este crescimento foi a formação de empresas estatais. Segundo o professor de Relações Internacionais da Faculdade Ibmec, Vladimir Pinto Coelho Feijó, as províncias chinesas criaram empresas de capital misto como instrumento para fomentar a expansão da economia mediante a penetração destes empreendimentos em outros países considerados estratégicos – onde haja matéria-prima, de alimentos a minério de ferro.
O país asiático está se familiarizando com o comércio internacional – foi admitido na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 ? e mantém um discurso nacionalista. ?Existe um risco de que a China encare como políticas algumas questões econômicas?, afirma Feijó.
Aço pode ser alvo de dumping
A verticalização da siderurgia – controle de todas as etapas da produção de aço, desde a mina até a usina – pelos chineses traz ainda o risco de o Brasil se deparar com a prática de dumping no mercado internacional do metal. O dumping acontece quando uma empresa comercializa produtos com preços bem abaixo dos praticados no mercado por outras companhias, como forma de inviabilizar os negócios da concorrência.
?Estas empresas chinesas vão operar no prejuízo porque embarcarão o minério de ferro a preços irrisórios?, [TEXTO]antevê o professor de Relações Internacionais da Faculdade Ibmec, Vladimir Pinto Coelho Feijó[/TEXTO]. Nesta hipótese, o lucro seria gerado quando a commodity chegasse à China, diminuindo os custos de produção de aço, que, em um momento seguinte, ganharia mercado em outros países, sendo um dos alvos o Brasil. A contrapartida aos investimentos em mineração seria a geração de empregos e o pagamento dos royalties minerários, que chegam no máximo a 3% sobre o faturamento líquido.
Estes empreendimentos, muitas vezes, conseguem nas prefeituras isenção de alguns tributos, como Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Além disso, a Lei Kandir assegura a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para a exportação.
Desta forma, após exploradas as riquezas das jazidas, a renda movimentada pelas empresas chinesas em Minas Gerais estaria, provavelmente, bem aquém da circulação promovida por outras companhias do setor, que, além de exportarem, também atendem a demanda interna.
A lógica da suposta estratégia chinesa ampara-se no fato de aquele país contar com uma população superior a 1,3 bilhão de habitantes, a maioria em condições precárias de sobrevivência. Neste cenário, a China não pode se dar ao luxo de gerar empregos fora de suas fronteiras, o que exige exportar o minério extraído em outros países, como o Brasil, para verticalizar a produção do aço fabricado no continente asiático.
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