As instituições de Bretton Woods e a nova administração Obama
17/11/08
A mudança de poder nos Estados Unidos sempre trás à tona aqui indagações a cerca de seu impacto na América Latina e no Brasil, em particular. As questões veiculadas pela imprensa se referem, quase sempre, a aspectos relacionados ao comércio exterior, se maior ou menor protecionismo, e à política, se a América Latina terá ou não um papel estratégico maior na política externa americana.
Neste artigo, gostaria de olhar a questão sob outro ângulo: o que se pode esperar de mudanças na orientação às instituições de Bretton Woods e suas relações com a América Latina e o Brasil?
Normalmente a substituição dos representantes dos Estados Unidos nessas instituições e novas orientações ocorrem no final do primeiro ano do governo, após os novos executivos no Tesouro terem tomado pé de seus encargos. Desta feita, com a profundidade da crise financeira internacional, é razoável supor que a influência da nova administração tanto no Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto no Banco Mundial poderá ser antecipada.
Uma maneira de examinar essa questão é através da comparação das orientações nas administrações Clinton e Bush, verificando quais as principais diferenças e, a partir delas, o que se pode esperar da administração Obama.
Além dos diretores executivos que representam formalmente os Estados Unidos nos conselhos (Boards) dessas instituições, postos chaves em suas administrações são exercidos por profissionais indicados pelo Tesouro americano.
O segundo posto na direção do FMI, diretor geral adjunto, é de indicação dos Estados Unidos. O cargo, exercido hoje por John Lipsky, foi no governo Clinton ocupado por Stanley Fisher. Fisher, professor de macroeconomia, teve papel destacado na orientação do FMI nos programas de socorro aos países em crise, como no caso do México (1994), da Ásia (1997), da Rússia (1997/98) e do Brasil (1998/99). O Fundo coordenou suas ações com a participação do Banco Mundial (e no caso da América Latina, também do BID) e dos bancos privados para I) garantir o equilíbrio do balanço de pagamentos; II) manter linhas de crédito e III) evitar o default dos países. Os programas de reformas das economias emergentes ocorreram, em sua grande maioria, com a supervisão da administração de Michel Candessus no FMI (1987-2000), quando Clinton era presidente dos Estados Unidos.
Na administração Bush, ao contrário, teve grande repercussão o relatório Meltzer do Congresso americano que propunha mudanças profundas visando restringir a atuação do FMI e do Banco Mundial. A orientação do relatório indicava o risco moral (moral hazard) como o principal problema das políticas do fundo, aconselhando a instituição a operar apenas em programas de curto prazo, não em programas de ajustes estruturais. Embora o relatório nunca tenha resultado em mudanças, a estratégia do FMI na crise da Argentina (2002) foi, em certa medida, diferente da adotada anteriormente.
No Banco Mundial, os Estados Unidos são responsáveis pela indicação do seu presidente. Na administração Clinton, James Woffenshon teve papel destacado na liderança do apoio aos programas de reformas econômicas e de redução da pobreza. Também exerceram o cargo de economista-chefe do Banco Mundial, professores destacados na comunidade acadêmica como Lawrence Summers, Michael Bruno e o prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz. Atualmente o presidente do Banco Mundial é Robert Zoellick, que fez carreira na administração pública na área de comércio exterior e o economista chefe, recém empossado, é o chinês Justin Yifu Lin, formado pela Universidade de Chicago.
Em nova administração democrata pode-se esperar que o Banco Mundial volte a ter papel mais ativo nos programas de combate à pobreza e também dê maior ênfase às questões de preservação ambiental (sustentabilidade) e à proteção aos direitos humanos (direitos trabalhistas, igualdade de raça, gênero, religião, etc.). Pode-se esperar também apoio a políticas visando maior participação do Estado nos investimentos para estimular o crescimento econômico. Restam dúvidas quando ao papel que as reformas econômicas poderão ter na nova estratégia de desenvolvimento.
O tema de revisão do papel das instituições de Bretton Woods, na agenda hoje, nada tem em comum com o relatório Meltzer, que sugeria o fechamento do Banco Mundial.
Ao contrário, pode-se esperar um papel mais pró-ativo das duas instituições junto aos países emergentes. Como conciliar necessidade de investimentos públicos, principalmente em infra-estrutura, com equilíbrio fiscal ou como conciliar suporte aos programas de equilíbrio de balanço de pagamentos sem a participação dos grandes bancos internacionais, face à redução da liquidez no mercado financeiro, serão novos e enormes desafios a serem enfrentados por essas instituições.
O tema da governança com maior poder decisório dos membros do G-20, importante do ponto de vista do multilateralismo, precisará ser conciliado com a estrutura de participação dos diferentes países no capital dessas instituições.
Por fim, rever o papel das instituições de Bretton Woods e sua governança é tarefa longa e difícil cujo timing não parece ser adequado à urgência de decisões necessárias para recolocar a economia mundial nos trilhos novamente. O desafio está nas mãos da administração Obama. Seus impactos repercutirão também na América Latina e, em particular, no Brasil.
Paulo Paiva é presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, S.A. (BDMG), ex-vice presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ex-ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento (gestão FHC).
Valor Econômico