Arquivos Implacáveis: Países estão abandonando a tecnologia nuclear
27/07/07
Neste artigo escrito há quase dez anos, o ambientalista gaúcho José Lutzenberger, falecido em 2002, afirma: “a tecnologia nuclear é essencialmente imoral”. Defendeu a realização de consulta pública após ampla campanha de esclarecimento, para a instalação das usinas. Por sua atualidade em relação ao Brasil, reproduzimos, sob licença. por José Lutzenberger, 1998 Um dos assuntos mais debatidos na atual campanha eleitoral alemã é a intenção do candidato da oposição, Schröder, SPD, Partido Social Democrata, de fechar todas as usinas nucleares ainda em operação, e fechá-las o mais rapidamente possível. Após fechar algumas, sobram na Alemanha dezenove usinas, sete das quais com mais de vinte anos, três com entre quinze e vinte, oito com entre dez e quinze, e uma com menos de dez anos. A vida útil destas estações é estimada em trinta anos. O custo de desmantelamento é astronômico e o destino final das milhares de toneladas de material radioativo é problemático. ainda não existe solução definitiva. O simples transporte deste material tem suscitado enormes e violentas demonstrações com movimentação de dezenas de milhares de policiais e custos de dezenas de milhões de marcos para o governo alemão. Os fornecedores de energia elétrica não demonstram mais nenhum interesse em mandar construir novas usinas. Pelas informações que tenho, os EEUU também não pretendem mais construir usinas nucleares. Só quem ainda tem interesse em novas usinas são países como a Índia e o Paquistão e outros, por razões óbvias…, e as indústrias que as querem fabricar e vender. Algumas discussões, meramente teóricas, aventam a possibilidade de, num futuro não muito remoto, com novas tecnologias, tornar-se possível construir usinas “realmente seguras”. As atuais usinas no Mundo, que são dos tipos água sob pressão, água em ebulição, do sistema Candu canadense, Chernobyl russo e as de gás em alta temperatura e pressão, somente teriam sua economicidade garantida caso dessem certo as usinas da seguinte geração, as usinas regenerativas (fast breeder em inglês, schneller Brüter em alemão ou surgénérateur em francês). Estas usariam como combustível a pior parte do lixo das usinas convencionais, o plutônio 239, que é a substância mais terrivelmente perigosa que já apareceu na Terra. Não existia antes, surgiu com as usinas e com a corrida armamentista. Uma quantidade do tamanho de uma laranja de umbigo, uniformemente espalhada pelo Planeta, poderia acabar com toda a Vida! Já existem mais de cento e cinqüenta toneladas…!!! Quem conseguir roubar algo menos de uma dúzia de quilos, com os conhecimentos de qualquer bom físico, poderá, facilmente, fazer uma bomba atômica – das mais sujas, daquelas que deixariam inabitável por apenas meio milhão de anos o território atingido. Com o colapso da União Soviética, parece que já desapareceram algumas centenas de quilos. Onde estarão…? Felizmente, as poucas usinas regenerativas estão fracassando. A França tinha muita esperança no Phénix e no Superphénix. Acabou fechando as duas, o perigo era incontrolável e elas não estavam rendendo o que se esperava, isto é, produzir mais combustível do que consomem. Estas usinas são infinitamente mais perigosas que Chernobyl. Além do plutônio como combustível, elas são refrigeradas a sódio líquido em alta temperatura – centenas de toneladas! Como sabe, ou deveria saber, todo estudante de secundário que estudou química, o sódio se incandesce espontaneamente ao contato com o ar ou água. Querer apagar com água, só aumenta ainda mais violentamente o incêndio. Qualquer vazamento de sódio numa usina dessas teria conseqüências cataclísmicas e o superincêndio liberaria na Biosfera quantidades de plutônio capazes de acabar com a vida em países inteiros – perda definitiva de pátria. O reator regenerativo de Kalkar, na Alemanha, que havia sido inicialmente orçado em poucas centenas de milhões de marcos, quando já estava custando mais de sete bilhões de marcos, foi, finalmente, trancado pelo parlamento federal alemão. Hoje, a “ruina em construção” (“Bauruine”) está sendo restruturada para fazer um grande parque de diversões, por um empresário holandês que agora está investindo outros milhões de marcos para fins mais humanos. Sobram, que eu saiba, uma tentativa de regeneração no Japão, outra na Inglaterra. Os americanos já abandonaram esta técnica há décadas. É de estranhar, realmente, que nosso governo queira, agora, ampliar o fracassado programa nuclear. Para que comprar hipercentrífugas, uma técnica supercara, que consome quantidades incríveis de energia elétrica? Elas só servem para concentrar urânio. O urânio vem da mina com apenas 0,7%, ou menos de U235, que é a parte físsil, o resto é U238. Para as usinas, a concentração de U235 deve ser próxima de 5%. Para as nossas poucas usinas, que já são um desastre econômico, seria bem mais barato comprar urânio enriquecido, isto, pressupondo que fosse do interesse da nação manter e operar estas usinas. Entretanto, a concentração do U235 pode também ser levada até uns 30%, que é o que se necessita para fazer bombas atômicas… Estávamos todos convencidos que aquela pá de cal que Collor jogou no poço profundo da Serra do Caximbo, onde os militares estavam a fim de detonar sua primeira bomba atômica, fosse definitiva…!? Um governo decente não tem direito de tomar solitariamente este tipo de decisão. Terá que fazer uma consulta pública, não sem antes fazer ampla campanha de esclarecimento. A tecnologia nuclear é essencialmente imoral. Artigo para a Gazeta Mercantil Rio Grande do Sul publicado em 29 de setembro de 1998 Fonte: Fundação Gaia – www.fgaia.org.br, onde há outras dezenas de artigos do mesmo autor.
EcoAgência