A posição do Pará nos planos de mudança da Vale
08/09/08
Samantha Lima (EXAME) — É preciso que tudo mude?, escreveu o italiano Giuseppe di Lampedusa em seu clássico O Leopardo, ?para que tudo permaneça como está.? Após anos seguidos de resultados recordes, em que se transformou na segunda maior mineradora do mundo, a Vale decidiu adotar a célebre frase do escritor italiano como resumo de sua nova estratégia. Apesar dos exuberantes resultados exibidos nos últimos meses ? a receita cresceu de 14 bilhões para 19 bilhões de reais e a margem operacional atingiu inacreditáveis 50% no último trimestre ?, o presidente da Vale, Roger Agnelli, desencadeou nas últimas semanas uma das maiores transformações de sua história recente. O objetivo de Agnelli é justamente garantir que o futuro da empresa seja tão animador quando o presente. Em outubro de 2007, a Vale anunciou um plano recorde de investir 59 bilhões de dólares até 2012. O plano obedece a uma lógica bastante simples. No curto prazo, aproveitar a persistente alta de preços das commodities para multiplicar os lucros. Num futuro um pouco mais distante, a meta é garantir a manutenção da demanda pelos metais da Vale incentivando o crescimento da indústria siderúrgica local. Muito racional, portanto. Mas os últimos oito meses demonstraram que investimentos recordes e planos bem-feitos não seriam suficientes para garantir o futuro da Vale. Além da deterioração do cenário externo, com a desvalorização do câmbio, os atrasos no licenciamento ambiental de grandes projetos, a produção abaixo das metas e os seguidos aumentos nos custos dos projetos acenderam um sinal de alerta. Para que a Vale continuasse a crescer no ritmo planejado, concluiu Agnelli, era preciso mudar. Sua primeira atitude foi organizar uma dança das cadeiras na cúpula da companhia. Cada mudança tem como objetivo atacar um dos problemas potenciais que ameaçam a mineradora. A maior novidade foi a chegada do executivo canadense Phil Du Toit, trazido da Inco para o Rio de Janeiro. Du Toit vai ocupar um novo cargo, ainda sem nome definido, dedicado exclusivamente à implantação do plano de investimentos. Como diretor dos dois projetos mais importantes da Inco, Voyce?s Bay, no leste do Canadá, e Goro, na Nova Caledônia, ele já teve de enfrentar uma feroz oposição das comunidades locais, atrasos nas obras, aumentos nos custos e uma intensa negociação política para fazer os projetos andar. É dessa experiência que a Vale precisa para fazer deslanchar, por exemplo, a ampliação da mina de Carajás, no Pará, essencial para o plano da empresa de se tornar, um dia, a maior mineradora do mundo. ?Precisamos garantir que as coisas sejam entregues no tempo certo e dentro do orçamento previsto?, diz Phil Du Toit. Além da chegada do canadense, houve também um remanejamento de executivos brasileiros. No final de agosto, Aristides Corbellini, ex-presidente da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), passou a comandar a área de siderurgia, que antes dividia com os projetos de energia a atenção de um mesmo diretor. Desde 2001, a Vale já anunciou participação em cinco siderúrgicas. Mas todos os projetos, quando não cancelados ou refeitos, sofreram atrasos. Caberá a Corbellini mudar esse cenário. O ex-presidente do BNDES Demian Fiocca, que cuidava de tecnologia da informação e sustentabilidade, recebeu a atribuição de supervisionar também a área de relações institucionais, antes a cargo de Tito Martins, que passou a cuidar de metais não-ferrosos. A mudança surpreendeu alguns parceiros da Vale, que consideram Fiocca muito discreto e pouco político. ?Apesar do perfil mais burocrático, Fiocca pode ajudar no relacionamento com alguns setores do governo, como a Fazenda?, diz um parlamentar petista. Há, na cúpula da Vale, a percepção de que é justamente na esfera política que residem os maiores obstáculos aos planos da mineradora. Por isso, a articulação com o governo tornou-se prioridade do próprio Agnelli. No início de agosto, ele anunciou, num evento com o presidente Lula e a ministra Dilma Rousseff, um pacote de investimentos de 5 bilhões de dólares no Pará, que incluía a construção de uma siderúrgica e uma nova usina termelétrica no estado. Diferentemente do que costuma fazer quando participa de um projeto siderúrgico ? sempre como sócia minoritária ?, a Vale se propôs a financiar sozinha a construção da usina no Pará e a ajudar na formação de um pólo metal-mecânico. Discursando no palanque, Agnelli foi claro sobre a contrapartida necessária. ?Precisamos de apoio para trabalhar junto com a comunidade para obter as licenças ambientais?, disse. O Pará ocupa hoje o centro das preocupações da Vale. É no estado que estão concentrados os principais projetos de expansão da produção de minério de ferro, níquel e cobre, capazes de aumentar em pelo menos 40% o faturamento da mineradora. Mas, para que esses projetos saiam do papel, são necessárias diversas licenças de órgãos ambientais federais e estaduais, e o Pará é um dos locais em que tanto o Ibama quanto o governo estadual são mais rigorosos na concessão das licenças. ?A dificuldade em obter as licenças põe em risco a estratégia da Vale?, diz Pedro Galdi, analista da SLW Corretora. É justamente o ritmo da concessão das licenças a maior ameaça para o projeto de expansão da mina de Carajás, no sul do Pará. É de lá que a Vale extrai, há 30 anos, o melhor minério de ferro do mundo. O plano de investimentos destinava pouco mais de 20% dos recursos, 13 bilhões de dólares, só para a ampliação de Carajás. O objetivo é mais que dobrar a retirada de minério, de 100 milhões para 220 milhões de toneladas em 2012. A expansão de Carajás é crucial para os planos da Vale. Uma vez operando a plena capacidade, a mina poderia acrescentar às receitas até 15 bilhões de dólares. O primeiro salto na produção, de 30 milhões de toneladas, era esperado para 2009, mas agora não tem mais data para acontecer. O prazo para a segunda parte da expansão, que deve somar mais 90 milhões de toneladas à produção até 2012, também já parece impossível de cumprir. Segundo quatro analistas ouvidos por EXAME, mesmo que as licenças ambientais não atrasem um só dia, a Vale só conseguiria iniciar a produção em 2013 ? ou seja, um ano depois do previsto. ?Realmente, estamos sob pressão em Carajás, mas trabalhamos para obter as licenças e mitigar os riscos de atrasos?, diz Phil Du Toit, para quem os atrasos são pontuais. A recente alta dos custos de produção, somada à desvalorização do câmbio, fez com que a Vale anunciasse uma ampla revisão dos investimentos, dando prioridade àqueles com maior potencial de retorno imediato. Entre os projetos suspensos está a implantação da mina de níquel de Vermelho, próxima a Carajás. A recente queda nos preços do metal tornou inviável o investimento de 2 bilhões de dólares necessário para colocar a mina em funcionamento. Mas, se quiser ver em operação as cinco usinas siderúrgicas que já anunciou nos últimos oito anos, não haverá remédio senão abrir o cofre. Só na CSA, associação com a alemã Thyssen, o atraso nas obras já é de seis meses, e o custo também aumentou. Agora, em vez dos 3 bilhões de euros previstos inicialmente, serão necessários 4,5 bilhões para produzir os mesmos 5 milhões de toneladas de placas de aço a partir do terceiro trimestre de 2009. Por ora, as outras quatro usinas a ser patrocinadas pela mineradora ainda são apenas um emaranhado de planos e uma coleção de problemas políticos. A Maranhão Steel, sociedade da Vale com a chinesa Baosteel para a produção anual de 7,5 milhões de toneladas de placas de aço, agora deve ser feita no Espírito Santo, a um custo 150% maior do que o previsto inicialmente. A Vale desistiu de negociar com o governador Jackson Lago, do Maranhão, após uma série de divergências sobre as condições de implantação da siderúrgica. No Ceará, o projeto da Ceará Steel, lançado em 2004, foi abandonado após divergências sobre o preço do gás com a Petrobras. Acabou substituído por outra usina em Pecém, também no Ceará, graças à pressão do governador Cid Gomes. Mesmo assim, a falta de fontes de energia a um preço razoável adiou de 2009 para 2013 o plano de produzir no estado cerca de 3 milhões de toneladas de placas de aço. Além de desanimar os parceiros da Vale na siderurgia, os atrasos colocaram a empresa diante de um risco inesperado: o recente movimento da indústria siderúrgica de garantir as próprias fontes de minério de ferro. É preciso, portanto, garantir mercado. Nem que ele seja formado, ainda que em parte, por seus próprios tentáculos.
Pará Negócios