A concessão de licença ambiental não consegue acompanhar o ritmo de alguns setores da economia do Pará
27/05/08
O atraso na liberação das licenças ambientais é apontado como um dos gargalos para a expansão de alguns dos setores mais dinâmicos da economia do Pará. Dirigentes da Vale do Rio Doce, segunda maior mineradora do mundo, por exemplo, têm afirmado que esse atraso pode afetar alguns de seus empreendimentos no Estado, onde a empresa programa investir US$ 20 bilhões até 2012. A Vale tem vários projetos atrasados por causa do licenciamento ambiental. Um deles é o do níquel do Vermelho, em Canaã dos Carajás, que está há alguns anos esperando pela licença ambiental. Por causa desse atraso, a Vale resolveu acelerar outro projeto de produção de níquel que possui no Piauí. A concessão da licença ambiental também está atrasada em relação à termelétrica à base de carvão mineral programada para Barcarena. Em razão disso, sua transferência para outro local, que poderá ser o Maranhão ou o Ceará, não está de todo afastada. Valmir Ortega, secretário estadual de Meio Ambiente do Pará, admite que os prazos de licenciamento estão demorando mais do que o desejado pelo próprio pessoal do governo e que ao longo deste ano esse problema ainda será sentido. Mas ele garante que o governo tem investido na busca de uma solução. O presidente da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), José Conrado Santos, também considera que a questão do licenciamento ambiental continua sendo um grande gargalo para o setor produtivo, um problema que já vem ocorrendo há algum tempo, mas que se agravou nos últimos anos. ?Existem vários projetos parados à espera da licença ambiental em todas as áreas, da mineração ao setor florestal, passando pela construção civil. Nos preocupa principalmente o setor florestal, que está enfrentando uma acentuada queda na oferta de emprego e que poderá se agravar se esse problema não for resolvido?, diz Conrado. Ele garante que hoje o setor produtivo está consciente da importância do licenciamento ambiental. ?O empresário quer fazer o crescimento de forma sustentável, mas sente essa lentidão, que afeta nossas exportações e a geração de emprego?, acrescenta José Conrado. Para o coordenador do Programa de Desenvolvimento de Fornecedores (PDF), David Leal, o problema de atraso nas licenças ambientais é nacional, sendo mais grave no Pará porque atinge os setores mais dinâmicos de sua economia ? o de mineração e o madeireiro. O PDF procura incentivar a participação das empresas paraenses nos grandes projetos que se implantam no Estado. Por isso, Leal ressalta que o atraso na implantação dos empreendimentos acaba prejudicando toda uma cadeia de fornecedores. David Leal informa que pelo menos dez mineradoras estão pesquisando no Estado, com planos para investir no futuro. Mas que esses investimentos podem ser prejudicados por esse gargalo. O coordenador do PDF, no entanto, diz estar otimista, diante da autocrítica que tem sido feita pelo governo. ?Eu sinto que o governo quer resolver esse grande gargalo do setor produtivo paraense?. Sema admite problemas O secretário estadual de Meio Ambiente, Valmir Ortega, admite que os prazos de licenciamento estão demorando mais do que o desejado pelo próprio pessoal do governo e que ao longo deste ano esse problema ainda será sentido. Mas ele garante que o governo tem investido na busca de uma solução, tendo triplicado a estrutura da Sema, com a contratação de mais de 200 servidores desde o ano passado e que mais serão contratados. Ortega justifica ainda que desde o ano passado o governo está sendo mais cuidadoso com os pedidos de licenciamento, para assegurar que estejam seguros do ponto de vista jurídico. Ele reafirma que a secretaria herdou um grande passivo ambiental e que no final de 2006 recebeu a transferência da gestão florestal, até então feita pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). Só desse órgão federal foram cerca de 2.500 processos que passaram para a Sema. Além disso, a secretaria tem que examinar os projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do programa Luz para Todos. ?Trata-se de um volume de projetos muito grande. O problema é agravado pelo fato de toda a estrutura da secretaria estar concentrada na capital. Estamos longe ainda do que pode ser considerado ideal, mas estamos empenhados em superar os obstáculos?, acrescenta Ortega. Instabilidade afasta investimentos Paulo Camillo Penna, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade que representa as empresas e instituições que atuam na indústria da mineração, garante que este cenário de instabilidade é extremante contrário à atração de novos investimentos que o país tanto busca. Ele cita os exemplos no setor mineral de empresas que estão indo minerar em outros países da América Latina, da África e da Ásia. ?Isto se deve em muito à complexidade das questões ambientais aqui no Brasil, que são tratadas com excessiva paixão, ao invés da racionalidade que seria recomendada?. Segundo Paulo Camillo, as empresas reclamam do atraso no licenciamento ambiental ?porque a lógica empresarial não bate mais com a lógica de um Estado burocrático, que carece de planejamento, de visão estratégica de país, que garanta a continuidade mínima de suas ações e de suas políticas públicas, que ainda vive de ciclos de quatro anos, dissociados da realidade competitiva que o mundo vive hoje?. Em relação à capacidade dos órgãos ambientais, o dirigente do Ibram acredita não haver dúvida que esta se situa muito abaixo do mínimo ideal. ?Infelizmente, o Governo nesse segmento paga mal aos seus funcionários e não consegue formar quadros de qualidade, com raras exceções, o que resulta em uma alta rotatividade e falta de continuidade e aprendizado institucional?. No caso do Pará, Paulo Camillo destaca que a Vale do Rio Doce tem reclamado muito do atraso do licenciamento, que tem provocado o retardamento na implantação de seus empreendimentos, como o caso do níquel do Vermelho, em Canaã dos Carajás, e da usina térmica de Barcarena, entre outros. Não somente a Vale, como outras empresas no Pará, inclusive de outros setores, têm a mesma reclamação, que é constante, garante Paulo Camillo. ?Os prejuízos para uma empresa como a Vale, de presença internacional, com ações comercializadas nos mais rigorosos mercados, podem ser realmente severos e em muitos casos, representar prejuízos financeiros de elevada monta. Imagine o atraso de um ano no cronograma de um projeto de 5 bilhões de dólares! Isto representaria alguns milhões a mais que seriam sugados dos investimentos?, alerta o presidente do Ibram. Ele lembra que certa vez ouviu uma crítica de um ambientalista durante um seminário, dizendo que todo EIA/RIMA (estudo de impacto ambiental) sempre aprova todo e qualquer tipo de projeto.?Reagi surpreso, dizendo: ainda bem, estamos no caminho certo. Essa deve ser necessariamente a missão a ser cumprida pelo EIA/RIMA, ou seja, buscar dentro da ciência e do conhecimento hoje disponível, uma forma de tornar aquele empreendimento viável do ponto de vista ambiental. Quem tem entendimento diferente desse, infelizmente tem uma visão desfocada ou mesmo exagerada sobre a capacidade de resposta instrumento EIA/RIMA?, afirma Paulo Camillo. Para ele, o problema no Brasil é que simplesmente não existe planejamento governamental há uns 20 anos. ?Sem planejamento, o país e a sociedade não têm como projetar o seu futuro e, conseqüentemente, não sabe o que quer. Ai quando surge a oportunidade, o que se dá aqui no Brasil graças aos conceituados processos participativos do setor ambiental, de discussão de algum investimento, o que vê é uma tentativa desesperada e injustificada de se acreditar que tudo o que não foi feito, todas as falhas e omissões que o Estado detectou, podem ser recuperadas agora pelo já combalido e bem ultrapassado instrumento do licenciamento ambiental. Lembro que a Política Nacional de Meio Ambiente, ainda em 1981, definiu 13 instrumentos de implantação, porém parece que apenas um desses é lembrado e praticado, que é o licenciamento ambiental?. Ele ressalta que não deseja com isso dizer que o setor mineral é contra o licenciamento ambiental. ?Muito pelo contrário, somos absolutamente favoráveis, pois somos uma indústria que busca os mais elevados padrões ambientais em suas atividades e o licenciamento pode atestar isto. Porém, advogamos em prol de um licenciamento mais moderno, inteligente, com visão sistêmica e estratégica, alinhado com objetivos de desenvolvimento sustentável para o Brasil. Infelizmente, a legislação de 25 anos atrás não mais permite essa abordagem?. Paulo Camillo considera notável a evolução dos conceitos de sustentabilidade ambiental e social dentro na nossa sociedade nos últimos anos, ?fruto de uma agenda constante do Governo nesse sentido, mas também fruto das novas e incrementais exigências do mercado?. ?Digo isso sempre aos associados dos IBRAM: é simples, quem não aderir fortemente aos conceitos de sustentabilidade em seus empreendimentos, especialmente no setor mineral, onde a interação com os recursos naturais é mais intensa, simplesmente vai deixar o mercado, e muito em breve?. ?A instabilidade e falta de previsibilidade dos procedimentos de licenciamento ambiental reduz a atratividade de novos investimentos para o país. A conseqüência imediata é simples: menos empregos gerados, menos impostos recolhidos, menos funcionários qualificados, menos divisas geradas, menos PIB gerado, etc. etc?, diz ele. Para o presidente do Ibram, a sociedade brasileira precisa urgente superar este falso embate entre o desenvolvimento e o meio ambiente. ?O Brasil e a Amazônia precisam crescer e ampliar dramaticamente a sua inserção competitiva. Com o modelo cartorial hoje vigente para o licenciamento ambiental em nosso país, essa missão fica muito mais complexa?. Péssimo para a economia Justiniano Netto luta há alguns anos contra a lentidão no processo de licenciamento ambiental num dos setores mais importantes da indústria paraense, o madeireiro. Como diretor-executivo da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex) e como presidente do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), ele tem participando de inúmeras reuniões para tratar do assunto. Para Justiniano, esse atraso na liberação das licenças prejudica muito a atividade econômica no Estado, ?pois criam um clima de instabilidade e insegurança para o ambiente de negócios das empresas?. ?Sabemos que o sinônimo de investimento é estabilidade e, sem isso, as empresas não se sentem estimuladas a investir e crescer em nosso Estado. O atraso na concessão ou renovação das licenças ambientais prejudica o cronograma de implantação dos projetos e causa a solução de continuidade nas operações das empresas. Isso é péssimo para a economia e, em ultima análise, para o próprio meio ambiente, pois a falta de licença significa também falta de controle do Estado?, ressalta Justiniano Netto. Na sua avaliação, todos os setores econômicos estão sendo atingidos ?pela falta de estrutura e inércia do órgão ambiental?. ?Ocorre que o setor madeireiro sofre mais porque é seguramente o mais controlado – pelo menos em tese – de todos os setores. Além das licenças de operação para as empresas, dos projetos de manejo ou reflorestamento para a colheita da madeira, o setor madeireiro comercializa todos os seus produtos através de um sistema de controle e licenciamento ?on line?, conhecido como Sisflora, o que faz com que a necessidade do licenciamento seja diária?, explica. Assim, uma falta de energia, uma falha de manutenção nos computadores da Sema ou a má-vontade de um servidor qualquer, pode simplesmente paralisar uma empresa, impedindo-a de comercializar seus produtos, segundo Justiniano. ?O fato é que os empresários vivem sobressaltados, pois a qualquer momento seu ?oxigênio? pode ser cortado pelo órgão ambiental. É difícil estimar os prejuízos, mas acredito que o setor florestal poderia faturar o dobro do que fatura hoje, gerando muito mais empregos e produzindo mais qualidade?. O grande problema, de acordo ainda com o dirigente da Aimex, é que esse ambiente de instabilidade gera uma espécie de seleção natural às avessas, onde as más empresas é que prevalecem. ?Quem tenta cumprir a legislação ambiental tem seu custo onerado e sofre toda sorte de dificuldades. Daí, proliferam as atividades clandestinas, que não precisam de licença ambiental. Quem opera na clandestinidade tem vida curta, mas o problema é que para cada empresa ilegal que o Governo fecha surgem outras duas no lugar. Precisamos preencher este espaço com empresas sérias, comprometidas com o Estado e com a sustentabilidade. Mas, para isso, o ambiente de negócios precisa mudar, as boas empresas precisam ser estimuladas e o órgão ambiental precisa funcionar. Como se vê, precisamos romper esse círculo vicioso?. Justiniano Netto sugere duas medidas para tentar mudar esse quadro. A primeira delas, dotar o órgão ambiental de estrutura para atender a demanda do licenciamento. Ele acha um absurdo ter que esperar 30 a 60 dias para receber uma vistoria para liberação de uma licença de operação. Em segundo lugar, é preciso definir regras claras, estáveis e adequadas às diversas atividades econômicas. Como exemplo, ele diz que existem regras completamente descabidas, como exigir que um projeto comunitário comercialize a madeira através da internet, pelo Sisflora.?A maioria das comunidades não tem sequer escola, posto de saúde, que são serviços essenciais?, observa. A força-tarefa criada pela Sema no ano passado, na opinião de Justiniano, foi uma ação emergencial para resolver uma crise inesperada. ?Ajudou e teve sentido no ano passado, quando a Sema ainda estava despreparada para fazer a gestão ambiental, pois tinha acabado de receber essa competência do Ibama. Agora, depois de quase um ano e meio de gestão, não há desculpa para não estar equipado e preparado, principalmente sabendo-se da importância do licenciamento ambiental para o desenvolvimento do Estado?. Instrumento de mudanças Ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente no governo tucano, o atual deputado estadual Gabriel Guerreiro (PV) considera o licenciamento ?o melhor e mais eficaz instrumento para fazer as mudanças de paradigmas que precisamos na construção do desenvolvimento sustentado?. O problema, segundo ele, ?é como fazer isto de forma adequada e com sabedoria, para não tornar o licenciamento um entrave intransponível que inviabilize o processo de desenvolvimento que tanto precisamos?. ?Não podemos inviabilizar todos os setores econômicos do Estado porque não damos as licenças ambientais. Temos que expedir as licenças e com elas impor condicionantes, exigir o comprometimento do empreendedor com o avanço na solução das questões ambientais. Temos que corrigir os erros pela construção do processo, pela reeducação e não pela repressão?, diz Guerreiro. Para ele, é preciso ter cuidado para não inviabilizar o processo de desenvolvimento que deve ser sustentável, mas não pode ser impedido. ?No caso específico da mineração as análises ambientais demandam conhecimentos técnicos específicos. Os cuidados são necessários, as mitigações dos impactos têm que ser impostas com segurança. Hoje existem muitos mecanismos e tecnologias para se fazer tudo isso. A meu ver o licenciamento não deve ser visto como entraves dos empreendimentos, mas sim como balizamento das novas maneiras de fazer projetos sustentáveis?, ressalta o parlamentar. Guerreiro reconhece que a Sema realmente tem grandes problemas e necessita de muitos recursos para o seu bom funcionamento, inclusive, por ter incorporado o processo florestal, e que o Governo atual propôs vários mecanismos para superar esses problemas. Mas afirma que não há como justificar, após um ano e meio de governo, que não se consiga na Secretaria o licenciamento e a liberação de planos de manejo em andamento. ?Alguma coisa está dando errado e precisamos concertar com rapidez, porque o Estado não pode parar, temos necessidades ingentes e interesses urgentes?. Na sua avaliação, a alternativa é reforçar a área técnica do licenciamento ambiental, impor as condicionantes de forma adequada, liberar as licenças e depois fazer uma séria e eficiente fiscalização. ?Com esta lógica é possível por em dia o licenciamento e desentravar essa situação complicada e indesejável que está instalada?, acrescenta Gabriel Guerreiro.
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