Subversão para o capitalismo sustentável
25/07/07
E em 2020, 75% das 500 empresas que estarão relacionadas no índice da agência global Standard & Poor´s não são conhecidas hoje. De acordo com a avaliação da S&P, os cerca de 100 grupos empresariais sobreviventes certamente serão muito diferentes do que são hoje. Mesmo sem bola de cristal, podemos prever que as empresas que permanecerão no mercado nas próximas décadas são aquelas cujos gestores subverteram a ordem do modelo do capitalismo excludente e predador, e começaram, enfim, a adotar uma estratégia com visão de longo prazo, aprendendo a transformar riscos e desafios socioambientais em oportunidades de negócios. Analisando, mesmo que superficialmente, algumas atividades econômicas no Brasil, é possível prever quem permanecerá no mercado em 2020 e quem desaparecerá pelo caminho. As fazendas de camarão que criam o crustáceo à custa da destruição de manguezais – há muitos exemplos no Nordeste – não devem ir longe, seja pelo esgotamento dos recursos naturais dos quais dependem diretamente, seja pela imposição de um mercado consumidor cada vez mais atento e exigente. O mesmo deve acontecer com os segmentos do agronegócio que desenvolvem suas atividades desmatando florestas e reeditando o trabalho escravo. Na outra ponta, muitas empresas estão empenhadas em recriar suas estratégias e seus processos produtivos, tendo como norte a sustentabilidade no sentido mais amplo do termo, que é a sobrevivência – dos negócios, das pessoas e do planeta. O primeiro passo para essa transformação é entender que o que acontece no tecido social e ambiental pode levar ao fracasso, total ou parcial, dos empreendimentos, no futuro, ou mesmo agora no presente. Como diz o presidente do WBCSD, o norueguês Bjorn Stigson: “Não existe empresa saudável em uma sociedade falida”. Outros passos são igualmente fundamentais: a formação de líderes, a compreensão e aplicação da sustentabilidade por todos os escalões hierárquicos da empresa, a aferição contínua e divulgação honesta dos resultados financeiros, sociais e ambientais, o estímulo às parcerias com outros atores e ao enfrentamento de situações de risco, a execução de idéias, atividades e ações não-convencionais e, por fim, o uso da credibilidade da empresa para alterar sistemas, estruturas e políticas. É assim que se muda uma empresa. Para as que já atingiram esse estágio, o próximo desafio está extramuros, na indução a políticas públicas sustentáveis na área de influência da unidade produtiva. Passos fundamentais são a formação de líderes e a aplicação da sustentabilidade por todos os escalões A previsão do índice S&P faz parte do meu segundo livro “Os desafios da sustentabilidade: uma ruptura urgente”, lançado recentemente pela Editora Campus/Elsevier. O livro procura ilustrar o futuro que nos espera no mundo empresarial e na própria sociedade. O processo de ruptura do modelo de negócios tradicional já foi iniciado, porém ainda sem a intensidade e abrangência necessárias para vencer os dramáticos dilemas que se apresentam hoje. Esses dilemas nós já conhecemos: são a falência dos serviços ambientais e a miséria. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM), trabalho encomendado pela ONU em 2001, constatou que dos 24 serviços ambientais considerados essenciais para a nossa vida – entre eles a água e o ar limpos, a regulação do clima e a produção de alimentos, fibras e energia – 15 estão desaparecendo ou perdendo gradativamente a função. Isto quer dizer que a capacidade do planeta de continuar a prover os recursos básicos, tanto para o setor privado, produtor de bens e serviços, quanto para a sociedade está se esgotando. O modelo concentrador de desenvolvimento e o uso insustentável dos recursos naturais explicam, de forma semelhante, o esgarçamento do tecido social, seja na periferia de Paris, seja no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Apesar da forte liderança exercida por grandes grupos empresariais que começam a adotar esta nova visão, devemos ter clareza de que os bons exemplos e as práticas de ecoeficiência e responsabilidade social corporativa, sozinhos, não bastam, embora sejam importantes. O senso de urgência exige escala e um esforço e mobilização infinitamente superiores aos que foram obtidos até o momento pelo setor privado, por governos e pela sociedade civil. No Brasil e no mundo, o entendimento articulado e transparente entre esses três segmentos que formam o chamado mundo tripolar irá determinar a velocidade da mudança do modelo de desenvolvimento atual para o modelo de desenvolvimento sustentável. É essa integração que vai determinar se a ruptura acontecerá de maneira estruturada ou sob a forma de cataclismos, sejam ambientais, como a escassez global de água e a elevação do nível dos oceanos, sejam sociais, como a migração descontrolada de milhões de refugiados ambientais. Seja como for, ao contrário do que se pensava antes, não são nossos filhos que vão testemunhar isso, somos nós mesmos. A sustentabilidade deve subverter o modelo de negócios se quisermos resolver esses dilemas. Fica a pergunta: qual é o legado da geração que hoje está no poder? Fernando Almeida é presidente executivo do CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e professor adjunto da UFRJ e do MBE da COPPE. Arte: Valor Econômico
Valor Econômico