Brasil precisa de mais ambição
23/07/07
Ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso faz diagnóstico duro da economia, mas diz que País tem remédio Mesmo diante de boas oportunidades de entrar em um ciclo vigoroso de expansão econômica, o Brasil precisa, antes de mais nada, superar a `Síndrome do Baixo Crescimento` para quebrar com o marasmo das últimas duas décadas. A avaliação é feita pelo ex-ministro do Planejamento e superintendente-geral do Instituto Nacional de Estudos Avançados (Inae), João Paulo dos Reis Velloso, e fará parte do livro `Chegou a vez do Brasil? Caminhos de saída – para chegar ao Alto Crescimento`, que será lançado em setembro durante seminário a ser realizado no BNDES. `Um dos pontos que chamo a atenção é o fato de estarmos em uma expectativa reduzida. Não podemos nos contentar com um crescimento de 4,5% a 5% por ano. Tem de haver mais ambição. É uma questão de auto-estima da população. O Brasil já teve o maior crescimento mundial entre as décadas de 60 e 70. As novas gerações, que não presenciaram esse período, passam a se contentar com expansões como a que temos observado`, explica Reis Velloso. Para ele, enquanto este inconsciente popular mantiver o Brasil como um Leviatã Acorrentado, vão ser mantidas altas taxas de desemprego e mercado informal de trabalho, além de um desempenho econômico bem abaixo dos registrados pelos demais membros do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A face mais visível desse problema, afirma o economista, é a Síndrome Macroeconômica, o núcleo da Síndrome do Baixo Crescimento. `Temos um conjunto interdependente de fatores como taxa de juros, ainda uma das mais altas do mundo em termos reais, taxa de câmbio que flutua, mas para baixo, e bloqueio fiscal pelo orçamento praticamente sem margem de manobra. A conseqüência é uma camisa de força para o Governo e, principalmente, para o setor privado`, ressalta ele. Para contornar este cenário, Reis Velloso identifica que o País precisa solucionar problemas políticos, o que seria uma `primeira opção básica`. Segundo ele, hoje há um mau sistema de partidos políticos, excessivamente dependentes do Executivo, despreocupados com o ajuste fiscal de longo prazo e, até, com o desenvolvimento. `O resultado de tudo isso é que uma grande parcela dos políticos se dissociou da sociedade e dos interesses do País. Mas nossa reação não pode ser: todo político é ladrão; ou não quero nada com política`, afirma. `O Brasil gasta muito e mal. Os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, deveriam ser aplicados inclusive para os órgãos tidos como independentes, como o Judiciário e o Congresso. Alguns ministérios, mesmo após realizar a privatização de algumas de suas empresas, continuam tendo os mesmos gastos. Isto não é possível`, argumenta o ex-ministro. Em 2006, lembra ele em seu estudo, o aumento real das despesas não-financeiras da União (relativamente à média 1985/2000) foi de 63%, em comparação com 53,5% da expansão do PIB. Tal salto nas despesas (junto com a elevação da conta de juros), ocasionou um aumento real da receita líquida de 102%. `É esse o tipo de Ajuste Fiscal que se tem feito, com grande esforço`, afirma no estudo. `O resumo da novela é que a carga tributária saltou de cerca de 27% do PIB revisto em 1996 para 34% em 2005`, ressalta. Foi, portanto, uma elevação de 25% em 9 anos, como percentagem do PIB. Reis Velloso destaca que o aumento real da despesa de pessoal dos Poderes Autônomos, de 1987 a 2006, foi de 200%, no caso do Poder Judiciário, de 187% no Ministério Público e de 103% no Legislativo. No Poder Executivo, o aumento real situou-se em 21%. O economista Raul Velloso, lembra João Paulo dos Reis Velloso, aponta que a despesa de pessoal total está crescendo cerca de 13% ao ano.Linhas de Ação Reis Velloso cita duas linhas de ação que podem ser desenvolvidas. De um lado, promover medidas de alívio, como apoio financeiro, exoneração de tributos, várias formas de isonomia competitiva, formas de redução de custos. De outro, desenvolver um programa de fortalecimento da competitividade de determinados setores. Segundo ele, com as linhas de produtos atuais, e com os atuais níveis de competitividade, tais setores estão fadados a crescer pouco, ou não crescer. `Deve-se promover algo como o Fundo de Modernização e Reorganização Industrial (FMRI), que o BNDES fez funcionar no início dos anos 70. Havia um diagnóstico de que as indústrias tradicionais brasileiras precisavam passar por um processo de modernização tecnológica e fortalecimento de competitividade. A solução foi o FMRI, que lhes permitiu, inclusive, passar a exportar. Algo semelhante tem de ser feito em vários outros setores, como o de eletroeletrônicos, de forma inteiramente adequada à gravidade e circunstâncias do quadro atual. A colocação é: mudar ou deteriorar`, afirma ele. Reis Velloso se mostra confiante em relação ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para ele, a iniciativa é positiva porque traz de volta uma agenda para o desenvolvimento do País. `O presidente Lula frisou que este seria um primeiro passo, tanto é que logo após foram lançados os PACs da Educação e Segurança. Resta agora fazer com que as iniciativas contidas no PAC sejam tiradas o papel`, acrescenta ele. Ainda em seu estudo, Reis Velloso afirma que existem duas razões básicas para que o Brasil defina uma nova estratégia de desenvolvimento. A primeira, explica ele, é o fato de a economia mundial ter a marca da China, o que significa, principalmente, um novo patamar de demanda por produtos intensivos em recursos naturais. Ao lado disso, há uma feroz competição com o Brasil, da parte de vários países emergentes, por exportações de produtos manufaturados tradicionais, em todos os mercados, inclusive no mercado interno brasileiro. `A segunda razão é que estamos, ainda, fora do Paradigma Econômico Moderno, baseado na economia do conhecimento. Nele vivem os países desenvolvidos e também a Coréia, que era o nosso principal concorrente, nos anos 70 e para ele estão evoluindo China e Índia. Trata-se de uma nova revolução tecnológica, que vai dominar boa parte do Século XXI. Para tirar proveito da especificidade do Brasil, que tipo de modelo deve assumir essa `Economia Criativa`?`, questiona Reis Velloso. De acordo com ele, este modelo teria de operar em dois grandes planos. No primeiro, os setores intensivos em recursos naturais teriam de ser transformados em áreas de alto conteúdo tecnológico. Tais setores são principalmente o de agronegócio/agroindústria; insumos industriais básicos (siderurgia, papel e celulose, petroquímica, metais não ferrosos, mineração); e de biodesenvolvimento: bioenergia, bioquímica. `O Brasil, sabidamente, é muito rico em recursos naturais. Em recente survey sobre o País, a revista The Economist disse que a natureza foi até pródiga demais conosco. Mas não podemos satisfazer-nos com a simples exploração desses recursos`, frisa no estudo. A idéia básica, segundo Reis Velloso, é a de adicionar valor às áreas beneficiadas pelas atuais condições da demanda mundial, mantendo, ao mesmo tempo, o País na vanguarda tecnológica, porque vários emergentes vão entrar ou crescer em tais setores. O caso típico, nesse sentido, diz, é bioenergia, inclusive porque o Brasil vai transferir tecnologia para outros emergentes. O segundo plano apontado por Reis Velloso consiste em transformar a inovação em estratégia básica das empresas industriais e conquistar o domínio e disseminação das duas grandes tecnologias do século XXI (TICs e biotecnologia). Com isso, o Brasil terá competitividade internacional, seletivamente, no campo das tecnologias avançadas. A execução de tal estratégia, conforme Reis Velloso, contempla capital humano (com dois pontos básicos: universalização do ensino médio e fortalecimento da pós-graduação e pós-doutorado); criação das instituições básicas para o desenvolvimento da `Economia Criativa`: plataformas integradas de exportação, pólos tecnológicos (parques tecnológicos, ou clusters de inovação) e incubadoras de empresas tecnológicas; estratégia permanente de desenvolvimento das exportações, segundo proposta da AEB (inclusive removendo barreiras internas às exportações), de modo a ter investimento para exportar como estratégia das empresas; nova inserção internacional, com políticas de competitividade voltadas também para o lado da demanda (dando prioridade aos produtos dinâmicos no comércio mundial) e criando elasticidade nas vantagens comparativas.
Jornal do Commércio – RJ