`Financiamento de pesquisa tem de ser orientado por resultados`
12/07/07
O presidente eleito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o matemático Marco Antonio Raupp, ganhou por uma diferença de apenas 15 votos o direito de exercer o cargo nos próximos dois anos. Agora, ele encara o desafio de integrar a instituição e a comunidade científica nacional em torno de três temas principais: desburocratização dos laboratórios, redução das diferenças no investimento em ciência e tecnologia entre as regiões e incremento da relação entre centros de pesquisa e indústria. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado (leia a íntegra). Qual será sua linha de atuação na SBPC? A primeira, que é quase um objetivo permanente, é o acompanhamento crítico do funcionamento das instituições voltadas para ciência e tecnologia em todos os níveis. Um item que está prejudicando o funcionamento desse sistema é que todos esses auxílios (financeiros) às entidades científicas, por uma questão de legislação federal, começaram a vir com tribunais de contas e uma série de procedimentos para o uso de recursos públicos, usuais na burocracia federal. Vamos supor: o CNPq dá um auxílio a determinada instituição. Agora ela é obrigada a seguir procedimentos que antes não tinha. Que tipos de procedimento? Para prestação de contas. É como se uma instituição como a SBPC ou qualquer outra sociedade científica, pesquisador ou organização de pesquisa estivesse dentro do sistema público e tivesse de seguir sua orientação. Isso influencia o trabalho? Como são repasses para fomento, eles não deveriam seguir uma regra, como a atuação dentro da entidade pública. Acaba prejudicando. Tem gente que não consegue executar o dinheiro todo que recebeu por causa dessas dificuldades. Não foi sempre assim. De repente, começou a acontecer interferência de tribunais de contas e da Advocacia-Geral da União. Falta autonomia ao pesquisador? Exatamente. E falta diferenciar as coisas. Quando o poder público transfere verba dentro de um programa para uma instituição executar, é um excesso exigir que se cumpra rigorosamente tudo o que está lá. É uma penalização. Isso é um exemplo de uma questão que se coloca na agenda e que tem de ser encarada. Então, vamos ver como está ocorrendo e tentar procurar o governo para se ter melhor desempenho no uso da verba. Isso é quase um apagão burocrático. Mudam as regras tornando-as mais rígidas quando a tendência é justamente flexibilizar mais. Isso lembra o discurso dos alunos que ficaram na reitoria da USP por 50 dias e pediam mais autonomia sobre como gastar as verbas. É óbvio que tem de prestar contas. Mas é preciso haver certa flexibilidade e não aplicar regras rígidas, muitas vezes derivadas do código de contabilidade pública. A fiscalização deve ocorrer pelo resultado, que é muito mais importante do que fiscalização dos procedimentos ou de como você está usando (o dinheiro). Senão toda a sociedade vira um grande sistema de funcionários públicos, no qual as agências públicas são fiscalizadas pelos procedimentos e não pelos resultados que obtêm. No limite, um cara que faça tudo direitinho, conforme mandam em seus procedimentos, mas não consiga resultado nenhum, ele passa no exame. Aquele que eventualmente cometa deslizes, mas consegue performance muito boa, pode levar bomba. Não estou, de maneira nenhuma, querendo liberdade para usar o dinheiro público. Mas é preciso um sistema de acompanhamento e avaliação de uso do recurso mais inteligente. Além da desburocratização, que outra linha pretende seguir? As grandes questões que derivam de assimetrias do nosso sistema de ciência e tecnologia (C&T) e de pós-graduação. Uma é a questão regional. Há regiões mais desenvolvidas do que outras. Elas acabam atraindo cada vez mais investimentos em detrimento daquelas que poderiam contemplar interesses globais. É o caso da Amazônia e do semi-árido. O Norte e o Nordeste, de modo geral, recebem pouco investimento em C&T comparados ao Sudeste e ao Sul. Não é natural riqueza gerar riqueza? Não se pode usar a alegação de que se paga mais imposto no Sudeste do que no Norte. Proporcionalmente, o PIB da região amazônica é 8% do PIB nacional. Mas quanto dos gastos em C&T no País é investido ali? Entre 2% e 3%. E é uma região estratégica para o desenvolvimento do País, uma nova fronteira. O desenvolvimento sustentável pressupõe o conhecimento da região, do que está ocorrendo com a ocupação do território, com a biodiversidade, com a questão climática. Acho que a população que vive na região Norte não quer um santuário intocado. O que ela quer? Ninguém quer que a ocupação seja feita de qualquer maneira, com impacto na biodiversidade, de forma devastadora. A maneira de entender e definir cursos razoáveis e racionais para esse processo depende de ciência. Existe a demanda e o País tem de aumentar seu investimento lá. Essa assimetria é um problema recorrente em diversas administrações federais. Sim, mas em algum momento tem de se considerar isso. O governador do Amazonas está tomando a iniciativa de derivar verbas para C&T, inclusive com alinhamento com o governo federal, mas é insuficiente. Claro, não se muda de um dia para outro, há uma inércia. Como reduzir a assimetria regional? É preciso haver envolvimento dos níveis estaduais e federal, com participação do Congresso e da sociedade. A ciência e a tecnologia são claramente instrumentos importantes para o encaminhamento de soluções para o desenvolvimento. E quanto à aproximação dos cientistas com a indústria, que o governo federal tem procurado incentivar nos últimos anos? Pouca pesquisa e desenvolvimento são feitos nas indústrias do Brasil. Temos de massificar isso até para embasar um crescimento econômico dentro dos melhores padrões modernos, na chamada economia do conhecimento. Precisamos defender uma política de Estado, de responsabilidade de vários governos. A visão é curta, mas não pode ser. O que acha do chamado ?PAC da Inovação?, do Ministério da Ciência e Tecnologia? Ele é baseado na integração entre pesquisa e indústria. Agora temos de acompanhar a execução disso e dar sugestões. Não somos pesquisadores, inovadores? Então, temos de inventar e sugerir políticas. Obviamente a responsabilidade pela implantação não é nossa, mas cabe a nós sugerir e ter sempre uma contribuição a dar, que é a visão racionalista que os cientistas têm. Este é um País novo, muito emocional. Quem é: Marco Antonio Raupp Matemático doutorado pela Universidade de Chicago em 1971 Foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre 1985 e 1989 e diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica de 2000 a 2006 Coordena a implantação do Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP)
O Estado de S.Paulo