O mapa da mina
27/06/07
Recentemente o BNDES publicou em um livro denominado “Perspectivas do Investimento: 2007-2010” os resultados de levantamento realizado ao longo de 2006 por diversas de suas áreas técnicas com o objetivo de quantificar o investimento esperado para os próximos anos no Brasil. A iniciativa é altamente relevante porque os dados sobre investimentos são dispersos e particularmente difíceis de serem obtidos, de sorte que o BNDES, ao divulgar o estudo, estende para o conjunto da sociedade o rico acervo de informações que detém sobre projetos de investimento em fase de concepção, decisão ou implantação.
Os números publicados confirmam a sensação geral de que, após um período de mais de dez anos de grande imobilismo, a economia brasileira está iniciando, enfim, um novo ciclo de investimentos. O estudo estima para os próximos quatro anos um volume de investimentos ligeiramente superior a R$ 1 trilhão, um aumento de 60% em comparação ao realizado entre 2002 e 2005. A parte da indústria nesse bolo é de 36%, ficando para a infra-estrutura uma participação de algo em torno de 19%. O levantamento contemplou dezesseis blocos de investimento que, em conjunto, representam 45% da formação bruta de capital fixo, 63% do investimento industrial e 68% do investimento em infra-estrutura (dados de 2005). Desses, nove são referentes a setores da indústria (extrativa e transformação), cinco a setores de infra-estrutura e um ao setor de serviços (software). O estudo incluiu ainda a construção residencial que, embora não faça parte das operações habituais do BNDES, foi incorporada em vista do seu peso específico na formação bruta de capital da economia brasileira, já que sozinha responde por quase metade do total.
Em relação aos resultados obtidos pelo levantamento é possível avançar algumas constatações. Em primeiro lugar, os investimentos voltados para a ampliação da inserção internacional de empresas brasileiras na área de insumos básicos deverão ir de vento em popa nos anos vindouros, uma vez que são relativamente independentes da evolução futura das taxas de juros e de câmbio e de outras condições que regem o dinamismo do mercado interno brasileiro. Despontam aqui os setores de petróleo e gás, líder inconteste, com previsão de investimentos da ordem de R$ 180 bilhões nos quatro anos cobertos pelo estudo, seguido de extrativa mineral, siderurgia, papel e celulose e ainda a petroquímica.
Um grupo de setores não poderá mostrar ativismo nos seus investimentos num quadro de custo sistêmico crescente, basicamente de infra-estrutura
Um segundo conjunto de setores para o qual as previsões de expansão podem ser consideradas firmes é aquele ligado aos “investimentos” das famílias, isto é, a construção residencial e as indústrias de bens duráveis de consumo. Esses segmentos vêm apresentando forte expansão nos últimos anos, tendo como fator causador a explosão do crédito que já ocorreu e ainda está por ocorrer na medida em que as taxas de juros permaneçam em queda e o sistema financeiro continue a desenvolver novas modalidades de empréstimo. Embora possam subsistir dúvidas quanto à competitividade das fábricas brasileiras em um cenário de persistência do processo de valorização cambial, é mais provável que a velocidade de expansão do mercado interno seja suficiente para propelir decisões de construção de novas plantas, especialmente por parte das montadoras de automóveis, que já se encontram próximas da plena capacidade.
A infra-estrutura forma o terceiro conjunto de setores. Diferentemente dos anteriores, porém, as perspectivas aqui são mais nebulosas, pois esses investimentos dependem diretamente, pela via do orçamento fiscal, ou indiretamente, pela via legal-regulatória, do setor público. Estão incluídos aqui os projetos energéticos, de logística, de infra-estrutura urbana, saneamento e outros que podem sofrer atrasos significativos em função de limitações orçamentárias ou de indefinições institucionais. Certamente, o sucesso do governo na implementação do PAC jogará importante papel na determinação da parcela desses investimentos que será efetivamente realizada no período.
Porém, cabe lembrar que cerca de 50% da formação bruta de capital da economia brasileira não foi coberta pelo estudo do BNDES. Incluem-se aí os setores fabricantes de bens de capital que, seguramente, constituem a maior incógnita da equação do investimento no país. Embora os dados mostrem uma forte expansão da produção de bens de capital desde meados de 2006, pouco se sabe a respeito das transformações tecnológicas e organizacionais que esses setores vêm experimentando no período recente. Por essa razão, é muito difícil estimar as repercussões desse aquecimento da demanda sobre as decisões de investimento em novas unidades produtivas. Igualmente, e cada vez mais importantes, são os investimentos dos setores de serviços, que hoje já respondem por mais de 30% do investimento corrente da economia brasileira, ante 16% na década de 80 ou apenas 9% na década de 70. Pela ótica da oferta, sequer dispõe-se de informações atualizadas sobre a participação dos itens de serviços nos investimentos das diferentes atividades. Por fim, também não foram contemplados no estudo os setores voltados para o consumo das famílias. Embora o aumento da renda disponível, decorrente da recomposição da massa salarial e dos efeitos dos programas sociais de distribuição direta de renda que o governo vem operando, forneça um sinal favorável para a dinamização desses setores, o problema aqui é menos de demanda do que de oferta. Isto é, a questão aqui é a fragilidade que a produção doméstica vem demonstrando diante da competição internacional. Se persistir o quadro atual de custos sistêmicos crescentes (infra-estrutura, basicamente), câmbio valorizado e lenta evolução da produtividade, dificilmente esse grupo de setores mostrará muito ativismo nos seus investimentos.
Mais do que qualquer outra fato econômico, é o investimento que define os rumos futuros de uma economia. Conhecê-lo melhor aumenta, e muito, a capacidade de diagnóstico e prospecção desses rumos. O esforço empreendido pelo BNDES precisa ser estendido para outras instâncias no governo – e também fora dele – para que seja possível completar o mapa dos investimentos da economia brasileira. Esse será o verdadeiro mapa da mina.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras. www.ie.ufrj.br/gic E-mail: gic@ie.ufrj.br)
Valor Econômico