Corrida do ouro em terra de índio
25/06/07
Liana Melo
O Globo
24/6/2007
Projeto do governo de abrir reservas à mineração poderá dobrar produção do setor
OBrasil está prestes a viver uma nova corrida do ouro, desta vez em terras indígenas. O governo está concluindo um anteprojeto que prevê a abertura dessas reservas à exploração mineral. A região Amazônica, onde se concentram 98,63% das extensões das terras indígenas brasileiras, é o eldorado até então intocável que o governo pretende atingir. Não bastasse abrigar um terço das espécies vivas do planeta, seu subsolo esconde uma riqueza inexplorada. São jazidas de ouro, nióbio, cobre, cassiterita, titânio, estanho, chumbo, minério de ferro, zinco… Não é à toa que a Amazônia é considerada a maior e talvez uma das últimas regiões terrestres com maior potencial mineral do mundo. Essas terras tão cobiçadas ocupam 13% do território nacional e é sobre elas que o governo quer avançar abrindo novas fronteiras minerais. A mineração em terra indígena pode dobrar a produção nacional de alguns minérios.
O ouro é de longe o metal mais cobiçado pelas empresas, representando 62% do interesse privado nas reservas indígenas. A constatação é do estudo “Interesses Minerários em Terras Indígenas na Amazônia Legal Brasileira”, do Instituto Socioambiental (ISA), que levantou ainda, com base nos dados oficiais, que empresas como Odebrecht, Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), AngloGold Ashanti, C.R.Almeida são algumas das muitas empresas interessadas em que o projeto do governo seja aprovado o quanto antes. A Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) levantou indícios de ocorrências minerais em 14 áreas de reserva indígena, espalhadas por Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia e Pará. Desde 1988, com a promulgação da Constituição, a exploração mineral só pode ser feita em áreas adjacentes a essas terras.
Governo aposta em projeto para coibir garimpos ilegais, que somam 192
Levantamento do CPRM indica que existem hoje 192 garimpos ilegais em terras indígenas. É uma produção que escoa sem controle e que não é computada nas contas nacionais. A mineração organizada gera riqueza correspondente a 10,5% do Produto Interno Bruto nacional (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) e responde por cerca de 25% da balança comercial. São ao todo, cinco mil minas em operação. O Brasil é o maior produtor mundial de nióbio e detém 91,4% desse mercado.
– O anteprojeto do governo é uma forma de acabar com o garimpo, que é extremamente danoso às populações indígenas – justifica o diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Miguel Nery.
Um grupo de trabalho está finalizando a proposta, que o governo Lula pretende encaminhar ao Congresso Nacional no próximo semestre. Fazem parte desse grupo os ministérios da Justiça e de Minas e Energia e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, além da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o DNPM. A mobilização dentro do governo começou em 2004, logo depois do conflito armado que colocou os Cinta-Larga de um lado e os garimpeiros de outro. A reserva Roosevelt, onde vivem esses índios, é rica em diamante.
– Pior do que regulamentar é não regulamentar – argumenta o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Paulo Camillo, que projeta investimentos privados de US$28 bilhões até 2011. Segundo ele, esse volume pode aumentar significativamente, caso o governo aprove o projeto.
Ainda que Nery admita que o governo tenha pressa, as resistências têm sido muitas e disparadas de todos os lados. Os índios estão refratários à idéia. A primeira tentativa foi em abril de 2006, na Conferência Nacional dos Povos Indígenas. Não deu certo. O setor privado, por sua vez, o maior interessado na abertura das reservas indígenas à mineração depois do governo, também não está gostando muito de alguns itens do anteprojeto, apesar de estar vibrando com a idéia.
Resistências até de empresas podem atrapalhar aprovação do novo plano
O que mais incomoda as empresas, segundo Camillo, é o fato de que o governo não pretende respeitar o requerimento de pesquisa ou lavra em terras indígenas encaminhado ao DNPM pelas empresas ao longo dos anos. Ao acabar com o direito de prioridade, o governo zera todos os pedidos feitos até então, um total de 4.821, e as empresas interessadas passam a disputar em condições de igualdades as áreas a serem licitadas.
As empresas vencedoras dos processos de licitação serão obrigadas a pagar royalties ao governo. Ainda não está decidido, segundo o Ministério da Justiça, o valor exato a ser cobrado, mas tudo indica que a idéia é um valor mínimo de 3% sobre o faturamento bruto das empresas. Seria criado ainda um Fundo de Compartilhamento de Receitas sobre Mineração em Terras Indígenas. A Funai, segundo Nery, não gostou muito da sugestão feita pelo governo e está fazendo gestões para que seja alterado o modelo de gestão proposto originalmente.
– As reservas minerais em terras indígenas são estratégicas para o governo, só que essa discussão não pode ocorrer isoladamente. Precisamos discuti-la no bojo de um debate maior sobre um novo estatuto dos índios – critica o antropólogo Ricardo Verdum, do Instituto de Estudos Socioconômicos (Inesc) e membro da Comissão Nacional de Política Indigenista.
O Globo