Brasil é pouco pró-ativo, afirma chefe do Pnuma
05/03/07
Dirigente do braço ambiental da ONU diz que a posição brasileira no exterior tem um certo grau de ceticismo, fruto da desilusão originária da Eco-92, no Rio
DE HOJE ATÉ QUARTA-FEIRA , o diretor-executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Achim Steiner, em visita ao Brasil, tentará convencer governo e empresários brasileiros de que é possível articular aceleração do crescimento com questões ambientais. É a primeira vez que Steiner visita o país onde ele nasceu, e viveu durante dez anos, como chefe do Pnuma.
Fernando Donasci/Folha Imagem
Queimada no norte do Mato-Grosso, na região de Nova Ubiratã, onde foram registrados os maiores desmatamentos em 2005ANA FLORCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A visita ocorre uma semana depois da divulgação de oito pesquisas encomendadas pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente) que avaliam o impacto “sombrio” do aquecimento global no país. Ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Steiner pedirá para que o Brasil deixe de lado sua posição cética e defensiva nas negociações ambientais internacionais, postura que tem sido criticada dentro e fora do país. Em entrevista à Folha, o chefe do Pnuma defendeu ainda que a Amazônia”em pé” pode ser um bem econômico muito maior do que derrubada para a agricultura.
FOLHA – Por que o sr. decidiu incluir o setor privado na sua agenda de encontros no Brasil? ACHIM STEINER – Dentro do setor privado brasileiro existe um número grande de companhias que estão sendo pró-ativas no tema da sustentabilidade. A Bovespa criou recentemente um novo índice de sustentabilidade, o que mostra que investidores estão olhando para variáveis ambientais. Com o Brasil se tornando mais e mais ativo nos mercados globais, com o Programa de Aceleração do Crescimento criado pelo presidente Lula, e a visão do Brasil se tornando um “global player” econômico, o papel que as empresas brasileiras terão em trazer sustentabilidade ambiental para o mercado doméstico crescerá muito rapidamente. A competitividade internacional está baseada hoje em parte na habilidade de responder a prioridades ambientais políticas do mercado internacional, e muitos empresários brasileiros estão começando a perguntar como as políticas de governo podem ajudá-los a desenvolver tecnologias avançadas e meios de produção limpos que os ajudarão a ser mais competitivos.
FOLHA – O que o sr. pretende dizer ao governo e aos empresários? STEINER – Em primeiro lugar, que é necessária essa discussão de um regime internacional para diminuir emissões de CO2. Em segundo, que as mudanças climáticas já estão acontecendo no planeta, e é muito claro que o Brasil não está isolado disso. Resiste ainda em alguns lugares um pensamento de que a Amazônia não é um bem econômico até que seja derrubada e tenha seu solo utilizado para a agricultura. A pergunta é se os brasileiros podem transformar esse bem em um ainda maior no futuro, incluindo, talvez, em termos de suas relações internacionais. Eu acredito que é certo que o Brasil defenda que tenha protegido parte significativa de sua floresta, e que agora tenha um imperativo de desenvolvimento econômico. Mas eu acredito que talvez não estejamos pensando longe o suficiente, e de maneira estratégica quando achamos que a única forma de realizar este crescimento é cortar a floresta e transformá-la em terra produtiva. Talvez os bens que a Amazônia têm possam ser muito mais produtivos e viáveis se ela continuar em pé. Claro que há questões sensíveis, pois o Brasil de maneira correta vê aquela parte da Amazônia como dentro de suas fronteiras nacionais e não como um bem internacional sobre o qual outros possam tomar decisões. Mas este é o que ele chamaria o ponto de partida da defesa nesta discussão. Se for possível lidar com a preocupação da soberania, enquanto se lida com as oportunidades do mercado global, talvez existam formas de desenvolver estas oportunidades sem contradizer os interesses soberanos do Brasil.
FOLHA – O presidente Lula afirmou que os países ricos não podem cobrar do Brasil redução do desmatamento porque eles não cuidaram de suas florestas. O Brasil ainda precisa se dar conta da importância do combate às mudanças climáticas? STEINER – É preciso separar a visão do Brasil em debates internacionais do que está acontecendo no debate doméstico. Todo brasileiro sabe que há problemas ambientais que precisam ser trabalhados, porque eles afetam a cada um dos cidadãos brasileiros. Se você olhar o Brasil sob a administração do presidente Lula, verá que houve iniciativas importantes no setor hídrico, no setor elétrico, na expansão de áreas de conservação. O fato de o Brasil estar fazendo bastante na área ambiental às vezes fica ofuscado pela forma como o país percebe a comunidade internacional se relacionando com ele em questões ambientais. Sobre a relação do Brasil com o resto do mundo, eu acredito que, em primeiro lugar, o Brasil subestima o quanto o mundo gostaria de saber o que o Brasil já fez e está fazendo na área ambiental. Em segundo lugar, o Brasil precisa sair de uma posição defensiva nos temas de definição de políticas globais para tomar uma posição mais pró-ativa. Porque o país tem um papel muito grande nas discussões ambientais, tanto pelos recursos naturais que possui quanto pela sua influência na definição de políticas internacionais. Se olharmos a participação brasileira nas negociações comerciais na OMC, o Brasil é um dos negociadores mais ativos. Na agenda global de governança e políticas ambientais, eu ainda sinto falta de uma ação mais pró-ativa e mais estratégica brasileira.
FOLHA – Como o sr. avalia a atuação brasileira nas negociações ambientais internacionais? STEINER – A posição brasileira tem demostrado um certo grau de ceticismo em relação a compromissos maiores de governança global. Ainda há uma desilusão que se seguiu à Eco-92, no Rio, em que compromissos internacionais acordados para ajudar países em desenvolvimento não se realizaram. Muitos desses países viram em uma participação maior e na aceitação de compromissos maiores nos instrumentos para uma governança ambiental global algo que não trouxe os resultados esperados. Eu penso que um país do tamanho Brasil, e que tem a importância que o Brasil tem, precisa pensar no futuro com uma agenda mais engajada, porque se tornará economicamente mais integrado e seu empresariado procurará um governo que permita que o país acelere seu crescimento econômico, mas que não seja visto por muitos como um país que o faz às custas de suas riquezas.
FOLHA – Na sua opinião, qual seria a posição esperada do Brasil? STEINER – Eu ainda espero que o Brasil, ao final, olhe para a Convenção de Mudanças Climáticas e para a estrutura multilateral não como uma ameaça a suas oportunidades de desenvolvimento, mas como a melhor chance que tem, como nação, mas também como comunidade internacional, de negociar uma abordagem justa para a redução de emissões no planeta. Isso exige uma visão que vá além classificar a questão das mudanças climáticas como um problema do Norte, mas como um problema coletivo mundial. Estamos lutando para chegar a uma solução justa, em que nações industrializadas assumam a responsabilidade pelo seu legado histórico. Mas, em termos de emissões futuras, não podemos mais fazer de conta que esta não é uma responsabilidade com que cada nação precisa lidar.
FOLHA – O sr. espera ver o Brasil como um protagonista nas negociações internacionais? STEINER – Esta é uma das minhas esperanças. Eu acredito que neste início do século 21, a nova geração de regulamentações para governança ambiental precisa ser moldada muito mais pelas realidades e temas de países como o Brasil, África do Sul, China e Índia. Este é um dos meus objetivos como diretor-executivo do Pnuma. Não para criar uma dicotomia, mas mais para encorajar, trabalhar e dar suporte a países como o Brasil em tomar atitudes mais pró-ativas para os desafios ambientais desta era. Eu acredito que o Brasil pode ganhar muito ao ser um negociador e participante mais ativo. O mundo não pode arcar com a hipótese de não ter países como o Brasil, Índia e China ajudando a comunidade de outras cerca de 190 nações a garantir que não estejamos cavando nossas próprias covas com as perspectivas de aceleração de crescimento econômico ao qual aspiramos.
FOLHA – O Sr. diz que quer trocar idéias sobre o futuro dos biocombustíveis. Por quê? STEINER – A experiência que o Brasil tem em termos de produção, tecnologia e até marketing nos dá a chance de estudar como esta experiência pode ajudar outros países. O fato de os biocombustíveis terem neste momento chegado ao topo da agenda global está relacionado a uma convergência de fatores, como segurança energética, custos e alternativas para evitar mudanças climáticas. Eles são um passo importante para a diversificação da matriz energética global, e nisso o Brasil tem um papel-chave. Mas eu argumento que é preciso desenvolver ainda mais o seu método. Simplesmente ver as prática atuais de produção e tecnologia atual como acabadas fará o país perder, com o tempo, sua vantagem. Isto eu quero aprender mais do Brasil e discutir com governo e empresários: como o Brasil vê a evolução da sua economia de biocombustíveis e que papel as Nações Unidas podem ter.
FOLHA – Que recado o Sr. pretende passar ao presidente Lula? STEINER – Que a liderança brasileira hoje em um contexto global é mais necessária do que nunca. Na ONU e no Pnuma, nós olhamos para o Brasil como um país no qual tensões entre desenvolvimento e ambiente, entre sustentabilidade e crescimento econômico, podem ser resolvidas de uma maneira em que elas se completem, ao invés de se oporem. E se não for possível avançar neste sentido em uma economia crescente como a brasileira, então teremos problemas sérios a frente.
Folha de São Paulo