Carajás: o caminho do futuro
06/02/07
Na sucessão de façanhas que vem realizando, em novembro do ano passado a Companhia Vale do Rio Doce adicionou um novo recorde à sua coleção: produziu 7,8 milhões de toneladas de minério de ferro em Carajás, que é considerada a maior província mineral do planeta, localizada no sul do Pará, a 550 quilômetros de Belém. Mantido o desempenho, a empresa, que no ano passado chegou ao nível de 85 milhões de toneladas, ultrapassará essa façanha em 2007, alcançando 100 milhões de toneladas, o equivalente a toda produção nacional de menos de uma década atrás. O Pará consolidará sua posição de o Estado que mais exporta minério de ferro em todo mundo.
Essa é uma realização da engenharia brasileira, especialmente dos engenheiros da Vale, que merece ser comemorada. Mas que também exige medidas de política pública para dar efeito multiplicador a essa conquista, conforme prevê o item 5 do Termo de Referência preparado para a reunião, em 2006, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no início de dezembro, como recomendação para a ação do governo federal. Esse item destaca a necessidade de contrapartidas sociais para o investimento em infra-estrutura. Uma de suas preocupações é “fortalecer e criar mecanismos em instituições públicas diversas, para garantir a participação dos trabalhadores, usuários e sociedade civil no planejamento e gestão da infra-estrutura”.
A ferrovia de Carajás foi concebida, ao custo de mais de US$ 1,5 bilhão de dólares (R$ 3,5 bilhões), para suportar 20 milhões de toneladas de minério. Em 2007 dará vazão a um volume de carga cinco vezes maior, tornando-se uma das três mais importantes vias de escoamento de riquezas do país e do mundo. É inevitável que chegue a um ponto de saturação e estrangulamento. É preciso, pois, encontrar alternativas para que esse fluxo se mantenha e se possa expandir, contribuindo ainda mais para o desenvolvimento nacional e o nosso comércio exterior.
A alternativa já existe: é o rio Tocantins, o 25º maior curso de água da Terra, com 2.200 quilômetros de extensão, que nasce no Planalto Central e vai até o litoral Norte. Juntamente com seu principal afluente, o Araguaia, ele drena as águas de 12% da superfície territorial brasileira. Para que o Tocantins possa adicionar mais 30 milhões de toneladas de carga à oferta já existente na região, tendo seu eixo principal na ferrovia de Carajás e prosseguindo com a Ferrovia Norte-Sul, em andamento, basta concluir o sistema de transposição da barragem de Tucuruí, uma das maiores estruturas em concreto já levantadas no país, investimento que pode ficar abaixo de 600 milhões de reais.
Como se trata de um modal mais barato e de maior amplitude, ele se encaixa num dos enunciados estratégicos do novo mandato do atual governo, elaborado pelo ministro do CDES Tarso Genro: “O desenvolvimento como processo de concertação”.
Essa meta fica comprometida na região pelo gargalo que se forma em Carajás, com o fabuloso incremento na produção de suas minas, a princípio apenas produzindo ferro e manganês, mas agora adicionando também cobre e ouro, e, futuramente, níquel, liberando a poderosa alternativa que se constitui a hidrovia do Tocantins com seu sistema de transposição.
Até o final de 2007 Carajás chegará a 100 milhões de toneladas de minério de ferro e será a maior hidrovia do Brasil
Seu efeito social será acentuado através da constituição de uma empresa popular, de economia mista, formada pela subscrição da sociedade, em conjunto com a participação decisiva da nova administração do Estado e da iniciativa privada, especialmente as empresas mineradoras, para a imediata execução da obra e, mediante concessão federal, fazendo a exploração comercial da transposição do rio. Seria a oportunidade de os grandes projetos participarem de maneira efetiva ao desenvolvimento do Estado e da região.
É reconhecido por todos, inclusive pelos gestores desses empreendimentos produtivos de grande escala, que seu efeito sobre a renda, o emprego e a geração de impostos é reduzido. Preferencialmente exportadores, são incentivados a atacar o mercado externo através de benefícios fiscais e tributários, que lhes dão capacidade competitiva diante dos gigantes de cada setor. Dando prioridade a capital intensivo e tecnologia para poder complementar essa capacidade de enfrentar adversários em escala mais ampla, mantêm, quando em atividade, apenas uma fração dos empregos criados durante a fase de implantação. E só poderão ter resultados de maior impulso em etapas posteriores da cadeia produtiva. Mas podem – e devem – fomentar por outra via a multiplicação e diversificação da semente plantada com sua presença.
A co-responsabilidade na montagem de infra-estrutura, que servirá a todos, e da forma mais democrática possível através da hidrovia, deve estar no escopo mais geral do desenvolvimento, do qual participam. Essas grandes empresas, se convocadas a se incorporar a empreitadas bem definidas, como a do sistema de transposição do Tocantins, certamente não se escusarão do convite. Inclusive porque essa nova atividade lhes será rentável, lucrativa.
As eclusas de Tucuruí, das maiores já concebidas em qualquer parte, empacaram, desde 1979, quando foram concebidas, mas, sobretudo, a partir de 1984, quando suas obras passaram a ter um andamento “devagar quase parando”, por uma visão burocrática centralizadora, de curto prazo e estanque. Não valeria gastar tanto dinheiro para criar um elefante branco, já que não haveria carga para a oferta a ser disponibilizada. Por outro lado, os investidores não se sentiam estimulados a ampliar seus negócios por falta de alternativas de crescimento da produção. O notável incremento da CVRD, o surgimento de um significativo pólo guseiro ao longo da ferrovia de Carajás, a industrialização da carne e outros negócios paralelos estouraram a bolha da oferta inexpressiva. Há demanda, sim. O que faltava era uma resposta corajosa, inteligente e prática para o bloqueio do rio Tocantins pela barragem de concreto de Tucuruí, com 74 metros de altura. Essa resposta acaba de ser dada pelo presidente da República. Ao anunciar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o presidente Lula assegurou a aplicação de R$ 548 milhões para concluir as eclusas de Tucuruí até o final de 2009, encerrando esse capítulo, 30 anos depois que ele começou.
O modelo de gestão para o sistema de transposição já está proposto. Agora é o momento de consolidá-lo e colocá-lo para funcionar, arrematando a iniciativa do governo federal. Assim, no final do ano, quando Carajás chegar à marca de 100 milhões de toneladas de minério de ferro, estaremos começando a abrir a maior hidrovia do Brasil, inicialmente com 600 quilômetros, entre o estuário do Pará e Marabá, onde fará conexão com a ferrovia de Carajás, formando um multimodal de transporte com esplêndidos efeitos sociais. No futuro, com 2.500 quilômetros, beneficiando 12% do território nacional e promovendo o desenvolvimento de uma estratégica área do centro do Brasil, em conexão com o litoral Norte no rumo do mercado internacional. Uma tarefa para já, e para o futuro.
* Lutfala Bitar, engenheiro, é primeiro vice-presidente da Associação Comercial do Pará e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).
Valor Econômico