"Alcoa não quer ser protagonista"
01/12/08
Amelia Gonzalez;amelia@oglobo.com.br
Franklin Feder estava cansado no dia em que falou à Razão Social, no escritório da sede da Alcoa no Brasil, em São Paulo. É que, no dia anterior, o presidente da empresa eleita uma das mais sustentáveis do mundo no Fórum Econômico em Davos, estivera até tarde num jantar com empresários top de linha e representantes do Instituto Ethos para achar um meio de pôr na agenda do país não só o crescimento como o desenvolvimento sustentável. Feder tem muito a contribuir para a discussão. Há três anos está envolvido num empreendimento que vem alterando a vida de Juruti, um pequeno município encravado no estado do Pará, onde foi encontrada bauxita. O relacionamento tem sido difícil, mas hoje já tem baixos e altos. E tornou-se um case comentado, não só naquele jantar com os executivos, como em outros fóruns.
O GLOBO: É possível falar em desenvolvimento sustentável no Brasil? FRANKLIN FEDER: O consenso é que não só é possível, como absolutamente necessário. E não se pode falar assim: “A partir daqui, se a empresa não pode fazer, manda para o poder público”. Se existe um limite, vamos discutir esse limite e vamos sobrepor. Não é que a Alcoa queira atuar sem a participação do poder público, e Juruti é um exemplo disso porque sem o poder público não conseguiríamos levar adiante (leia matéria sobre o projeto na página 6). Mas a mola propulsora não pode estar vinculada ao poder público.
O BNDES tem uma cláusula de sustentabilidade em seus empréstimos. Isso ajuda? FEDER: É importante, mas acho mais proveitoso focar e buscar desenvolver modelos que possam realmente servir de referência, trazer empresários para este caminho. Ou nós somos capazes de pensar isso ou o planeta não tem solução.
O senhor acha possível que a sustentabilidade possa vir a ser fator competitivo? FEDER: Não tenho dúvida. Pega-se o exemplo do setor de celulose: se a Klabin não conseguir fazer uma conciliação bem feita entre a questão ambiental, social e o sucesso econômico do projeto, a sociedade fecha a fábrica. É um caminho sem volta, não tem outro. E não é questão de bondade, generosidade, de querer reformar o mundo.
Do que se trata, então? FEDER: É a democratização da informação. É isso o que aconteceu. Interessa-nos que o governo avance na implantação e no licenciamento de usinas, por exemplo, e a melhor maneira de fazer isso é demonstrar que uma usina hidrelétrica pode gerar a energia que se precisa e, ao mesmo tempo, ser a mola propulsora para o desenvolvimento e justiça social, responsável social e ambientalmente
O senhor enfrentou problemas quando a construtora levou três mil peões a Juruti…FEDER: Sabe quantos peões tem hoje? Dez mil.
E a cidade suportou esse inchaço? FEDER: A cidade se transformou, tem comércio abundante, oferta de iPpod, venda de jornal. Sabe qual é a minha maior preocupação hoje em relação a Juruti? Segurança no trânsito. As pessoas andam muito de motocicleta e não usam capacete.
Então Alcoa e Juruti já estão em lua-de-mel? FEDER: É um processo enorme de aprendizagem, de acomodação. Quase todo dia temos surpresas: um sábado toca o telefone e me dizem que havia uma invasão de duas mil pessoas nas nossas propriedades. Pessoal armado, organizado. De repente, toda a questão fundiária do local passa a ser fundamental para a gente conseguir assegurar o futuro funcionamento do porto e da ferrovia. Se não conseguirmos uma solução para a questão da moradia, esse pessoal pode interromper o fluxo de bauxita. É fundamental que a gente pense junto com o poder público em alguma solução.
Ou seja, neste momento o Estado tem que fazer a parte dele…FEDER: Sim, porque não nos cabe. E porque o Ministério das Cidades tem recursos para isso. O papel da empresa é catalisar, porque nós estamos mais próximos do problema. Juruti tem 126 anos como município e a primeira vez na história que um governador do estado foi lá tem três anos, por causa do nosso projeto.
O que mudou nesta relação desde que vocês começaram até hoje ? FEDER: Digo para você o que não mudou: eu continuo preocupado (risos). Mas nós aprendemos muito, a sociedade jurutiense também aprendeu, nós nos conhecemos. Sabe o que é chegar cheio de equipamentos, peões, derrubando coisas, num município pacato, com natureza à volta e uma vidinha maravilhosa? Fizemos promessas, mas no começo ninguém nos conhecia.
Qual foi a estratégia? FEDER: Acho que o que mais surpreendeu, sobretudo ao Ministério Público, que desde o início foi contra o projeto, é que nós admitimos que estamos buscando fazer o certo, mas de vez em quando a gente erra. A última vez que abrimos uma mina do porte dessa foi há 50 anos, na Austrália. Todos os que trabalharam nela já morreram ou estão aposentados. Não é todo dia que se abre uma mina de bauxita na Amazônia, estamos aprendendo. E faz parte desta aprendizagem trazer parceiros. A partir do momento que dissemos que íamos buscar ajuda com ONGs do local, isso nos ajudou muito. O MP continua na sua posição, nós o respeitamos e acho que estamos avançando. É possível lidar com mais respeito e temos que dialogar.
Quanto tempo vocês ainda ficarão em Juruti? FEDER: Hoje acreditamos que a mina tenha 1 bilhão de toneladas. Nós vamos começar produzindo 3 milhões de toneladas. Então, é algo para mais de 200 anos.
Como funciona o conselho de sustentabilidade criado por vocês? FEDER: O conselho é um processo também de aprendizagem, nunca tínhamos feito nada parecido, nenhuma literatura tem nada parecido. A idéia é que se forme o tripé: conselho, métricas e fundo de desenvolvimento. Na verdade, hoje já penso num quarto componente, que é a idéia de criar um instituto para pensar Juruti. Porque hoje não tem ninguém fazendo isso. Convidamos o Ministério Público, a associação dos moradores da comunidade de Juruti Velho (a maior oposição) e eles decidiram não participar. O objetivo disso tudo é promover o desenvolvimento de Juruti. E não é porque eu sou bonzinho: é porque a Alcoa não quer a função de protagonista.
Como foi conseguir trabalhadores do local? FEDER: Sabe qual foi a maior dificuldade? A Alcoa não emprega ninguém sem documentos, e lá ninguém tinha. Então, antes mesmo de pensarmos em capacitar a população, tivemos que pensar em dar cidadania àquelas pessoas.
Mas a empresa paga imposto para o estado fazer isso. O senhor fica indignado? FEDER: Veja bem, não estou fazendo uma crítica, mas uma constatação: é que grande parte da nossa dificuldade em Juruti vem, justamente, do fato de o estado estar muito ausente. Não podemos obrigar ninguém a fazer nada.
Quando vocês vão começar a operar em Juruti? FEDER: Esperamos que o primeiro navio para São Luiz saia em maio. A bauxita vai ser utilizada na expansão da refinaria que estamos fazendo em São Luiz que até agora usou bauxita de Trombetas.
Como é lidar com a cadeia produtiva? FEDER: A indústria do alumínio tem uma pegada ambiental muito forte e o nosso desafio é minimizar esta pegada. Em Juruti, temos licença para 1.200 hectares e nós vamos acabar com 700.Queremos ser autosuficientes em energia elétrica.A idéia, então, é que tenhamos resolvido um dos dois pilares da indústria do alumínio, que são bauxita e energia elétrica, de preferência renovável, de longo prazo e a um custo competitivo. Visita-se uma usina hidrelétrica e, a menos de um quilômetro de distância, tem famílias vivendo sem acesso à energia. Isso é um absurdo
Por que há tanta resistência à construção de usinas? FEDER: Porque sempre foram excludentes socialmente e causaram desastres ambientais. Se a gente quiser fazer do Brasil um país melhor não podemos fazer um empreendimento e voltar tempos depois ao local e encontrá-lo como o deixamos.
A Alcoa está sólida financeiramente diante da crise? FEDER: Passamos pela I Guerra, pela Grande Depressão, vamos passar também por esta. Defino esta crise como uma reacomodação do sistema capitalista. Não é o fim da história, o que assusta é a violência da volatilidade. Mas, novamente, a questão é a democratização da informação: todo mundo pode tomar decisões de compra e venda on line. E volto a dizer: investidor que privilegia só o sucesso econômico vai se dar mal. A comunidade caça a licença de operar.
O Globo