Vale é contra proposta do Index, novo sistema para fixar os preços
18/11/08
As negociações de preço do minério de ferro de 2009 poderão ser mais duras e demoradas do que o que vem sendo previsto pelas mineradoras e siderúrgicas. Vale do Rio Doce, Rio Tinto e BHP Billiton, que dominam 75% do mercado transoceânico do produto, deverão propor a adoção de sistemas diferentes de fixação de preço. Segundo o diretor executivo de ferrosos da Vale, José Carlos Martins, que acaba de chegar de viagem por 20 países, inclusive a China, para sentir o pulso do mercado às vésperas das conversas que antecedem as negociações, já existe uma proposta para substituir o tradicional sistema de benchmark por um novo sistema de cotação de preço conhecido como Index. “Pelo que sabemos, essa proposta está na mesa e foi apresentada às siderúrgicas por um dos produtores de minério de ferro”, disse Martins, sem citar o nome do concorrente.
O Index, segundo explicou, teria o papel de transformar a venda de minério no mercado líquido numa espécie de cotação, um produto financeiro negociado em uma bolsa de minério como qualquer commodity. A formação do preço teria a participação tanto de produtores e consumidores participam como de agentes financeiros. “Eu não produzo minério mas vendo minério. Eu não consumo minério, mas eu compro minério. Como são todos os mercados líquidos, de petróleo, de níquel. Todos os mercados de commodities são mercados financeiros”, afirma Martins.
A Vale, conforme destacou, já tem posição e proposta sobre a discussão desse sistema de formação de preços que deverá dominar a mesa de negociações junto com o ajuste do preço. “A posição da Vale será de defesa do benchmark”, afirmou Martins. Ele argumenta que por esse sistema, que persiste há 30 anos, o reajuste de preço é discutido “face to face” (cara a cara) entre mineradoras e siderúrgicas que, após rodadas de debate, decidem o novo valor da tonelada para os contratos de longo prazo. O novo preço passa a vigorar por um ano, a partir de 1º de abril. A proposta da Vale, argumentou, busca reduzir a volatilidade do mercado e manter a formação de preço como uma questão entre o produtor (mineradora) e o consumidor (siderúrgica).
Para ele, o sistema de índice vai fazer ajustes muito pontuais no preço do minério a cada momento. “Enquanto no sistema de benchmark, por exemplo, se ocorre um acidente numa mina e cai a produção, o preço do minério continua estável, pois é acertado por um ano. No sistema de preços líquidos, qualquer acidente os leva a oscilar para cima. Num momento mais fraco de mercado, como o atual, o índice vai indicar um valor mais baixo do que o que foi negociado. E numa retomada do mercado, eles podem subir acima dos contratos”.
Apesar de toda a argumentação, ele reconhece que caberá aos clientes, no caso as usinas de aço, optarem por um sistema de preço mais constante para o minério, como é a proposta da Vale, ou se preferem o Index, líquido, no qual terão outros agentes dentro do mercado.
No ano passado, houve uma tentativa bem sucedida das mineradoras australianas de derrubar o `benchmark`, pelo qual quem fecha negociação primeiro define o reajuste para todo o setor. Elas conseguiram uma aumento superior ao da Vale com as siderúrgicas devido ao diferencial de frete, na época de US$ 60 a favor da Austrália. Do Brasil para a China era de US$ 110 e da Austrália, US$ 50. Este ano, isso caiu por terra, pois o frete Brasil-China está em US$ 10 e o da Austrália-China em US$ 5. “Essa diferença não vai justificar um preço diferenciado”, avalia Martins.
As siderúrgicas, no entanto, parecem estar divididas sobre a proposta. Para o diretor da Vale, nesta decisão vão ter dois tipos de opções. Os clientes de mais longo prazo e com mais compromissos que também vendem o aço em contratos de longo prazo vão preferir um sistema de preços de menor volatilidade, de negociação direta com o fornecedor, ou seja, o `benchmark`. “Eu poria neste grupo a maioria dos europeus, a totalidade dos japoneses e talvez uma parte dos chineses. Mas, há ainda outros `players`, principalmente na China, como visão de curto prazo, mais oportunista, que podem lutar pelo outro sistema (Index)”.
Certamente, esta pode ser mais uma queda-de-braço que a Vale terá que enfrentar durante as rodadas de negociação de 2009, principalmente com as siderúrgicas chinesas. Num cenário de forte queda na demanda por minério e aço, tendo como pano de fundo os altos preços do minério frutos de seis anos de anos de altas seguidas, estaria inclinando as usinas, com as chinesas à frente, a buscar um novo tipo de negociação, avaliam analistas, que não quiseram ser citados. Para eles, a situação de mercado que antecede às negociações está mais favorável às siderúrgicas, apesar de ambas as partes estarem tendo que cortar produção para manter preços. Eles continuam apostando numa queda de preço do minério de 15% a 40%.
Recentemente, dada as condições desfavoráveis do mercado, como reconheceu Martins, a Vale teve que ceder às usinas chinesas e abrir mão da alta residual de 12% que estava pleiteando com os clientes asiáticos. “Eles (os chineses) vinham num processo de aceitação quando depararam com a queda do mercado. E, aí eles endureceram a negociação e nós não tivemos outra alternativa a não ser retirar o reajuste, pois as condições de mercado tinham mudado drasticamente. Mantivemos a negociação até outubro. Quando vimos que não íamos conseguir emplacar o reajuste na China, optamos por retirá-lo, inclusive dos clientes que já haviam o aceitado”.
Mesmo sem admitir que o ciclo virtuoso de alta do minério não vai se repetir em 2009, pois o momento é de muita turbulência e a redução da demanda é superior a redução da produção porque há uma gigantesca desova de estoques, o diretor executivo da Vale não vê condições para a mineradora incluir na pauta de negociação do próximo ano os 12% residuais de 2008 a seus clientes asiáticos. “Nosso desejo de unificar os preços da Europa com os da Ásia é de longo prazo. Mas, isso tem que ter um momento adequado para acontecer. Não sei se esse momento será no ano que vem. A Vale é uma empresa de mercado, que respeita as condições de mercado e agora estamos no olho do furacão”, afirmou. Para ele, o processo de desestocagem de minério e aço, “jamais visto na economia”.
Martins acredita que o pacote de US$ 600 bilhões provado pelo governo chinês para reativar a economia do país pode influir no mercado. “O grosso desse pacote é voltado para a infra-estrutura, para o interior, para o campo. É um plano com alta intensidade de ferro e aço. Mas, o impacto sobre a demanda de aço e minério não será imediato. Porém, sem dúvida é um plano com forte impacto para a retomada da economia real”. A seu ver, o futuro do mercado de minério e aço ainda chama-se China.
Valor Econômico