22/09/08

“O Brasil não tem uma política de mineração”  Entrevista Paulo Camillo Vargas Penna – presidente do IbramCássia EponineRepórterNo auge dos embarques e cotações recordes de minério de ferro, a indústria brasileira de mineração, que nos últimos anos surfou no crescimento mundial – em especial na demanda chinesa, trocou a crista da onda pelo compasso de espera. Com o agravamento da crise norte-americana, acentua-se o temor de que uma recessão mundial possa desacelerar a demanda pelo minério de ferro, principal estrela da pauta exportadora mineira.«Do ano passado para cá, revisamos os investimentos para os próximos cinco anos de US$ 25 milhões para US$ 57 milhões. Ou seja, crescemos em 100% as nossas projeções para cinco anos. Isso tudo dentro de um ambiente completamente adverso, por causa do início da crise das hipotecas americanas. Isso mostra claramente a confiança que o setor mineral tem no seu desenvolvimento», afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Paulo Camillo Vargas Penna, que nesta entrevista também fala sobre outros desafios da mineração brasileira, fertilizantes e mudanças no Código de Mineração.Em meio às turbulências internacionais, o Ibram realiza em Belo Horizonte, entre terça e quinta-feira desta semana, o V Congresso Brasileiro de Mina a Céu Aberto e o V Congresso Brasileiro de Mina Subterrânea. Os congressos, uma parceria do Ibram com o Departamento de Engenharia da UFMG, acontecem simultaneamente ao Workshop «Barragens de Rejeito», todos no Ouro MinasPalace Hotel.Quais são os riscos para o setor com a crise americana? Há quem brinque que os Estados Unidos são o shopping do mundo, e a China, a fábrica. Se o shopping pára de consumir, há motivo para preocupação. Projetos em curso estão ameaçados? É parcialmente verdade, porque os Estados Unidos reúnem 30% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas) do mundo. É uma importância singular. Mas por mais que essa crise esteja se abatendo sobre os Estados Unidos, as projeções de crescimento para o último trimestresaltaram de 1,2% para 1,8%. A economia americana é extremamente dinâmica, e a cada momento nos surpreende, muitas vezes, positivamente. Acredito que há uma grande possibilidade de mantermos níveis de crescimento em que a demanda mineral persista. Não se esqueça de que efetivamente estamos passando por um boom mineral, e que mesmo após esse boom vamos continuar com um crescimento sustentado. Ou seja, a demanda vai continuar, não como um boom, mas como um crescimento constante. É em parte verdadeiro quando você diz que os Estados Unidos são o shopping do mundo, e a China, a fábrica, mas no caso das commodities minerais é preciso lembrar que a China tem um programa para atrair 800 milhões de chineses do campo para as cidades em um prazo de 20 a 25 anos. Para acomodar essa população, será preciso gerar uma grande produção de minério de ferro, cobre, bauxita e tudo o mais que o Brasil tem em quantidade significativa.Além da China, há outras saídas para as nossas commodities?Também há a economia doméstica, que impulsiona o crescimento interno dos países. Um exemplo são os agregados da construção civil. É importante lembrar que o minério de ferro não é uma commodity. É um produto. Qual a diferença? As commodities têm os preços apontados diariamente nas diversas bolsas mundiais que as comercializam. Já o produto tem contratos de longo prazo, que são uma proteção para os preços. Além disso, o Brasil ainda é extremamente modesto na sua produção siderúrgica e não tem uma participação significativa no comércio internacional de aço. Então, temos de brigar também por esse espaço com outros países. Afinal, o país detém o minério de ferro de melhor qualidade e mais barato do mundo. Para se ter uma idéia, dois terços do preço que a China paga pelo minério brasileiro são relativos a frete. Os chineses dão a volta no mundo e colocam um volume brutal de placas de aço nos Estados Unidos. O Brasil tem uma posição aindaextremamente tímida com relação à produção de aço. O Ministério de Minas e Energia está elaborando alterações para o Código de Mineração. Além da transformação do atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em uma agência reguladora, uma das principais mudanças é a maior rigidez nos prazos para pesquisas, sob pena de devolução das outorgas.O que o senhor acha disso?Primeiro, não adianta trocar na fachada do prédio o nome DNPM por agência. É absolutamente necessário que você estruture, qualifique e tenha técnicos em quantidade e qualidade. Uma agência se presta a executar uma política. No caso, uma política de mineração. O Brasil não tem uma política de mineração. Então, concomitantemente à criação da agência, é preciso que se crie um conselho nacional de política de mineração que estabeleça a política que deve ser executada pela agência, se não ela não tem razão de ser.Na sua avaliação, a estrutura existente é deficiente?É evidente que é. Um departamento que fez o seu único concurso público dos últimos 27 anos no ano passado pode ser um órgão eficiente? Esse é outro ponto. Acusar o código de mineração de todas as mazelas oriundas da mineração é, no mínimo, uma injustiça, porque o código não foi efetivamente cumprido. Não dá para acusar o fato de o código ser de 1967 como a razão de todos os problemas. Se o código estivesse sendo cumprido plenamente, tudo bem. Mas o que há hoje efetivamente é um despreparo, é uma insuficiência de quadros e meios para cumprir o que o código estabelece.E em relação à maior rigidez nos prazos para pesquisa?Hoje, há fases em que você apresenta o relatório de pesquisa e ele fica anos e anos para ser analisado, apresenta o plano de aproveitamento econômico e ele fica anos e anos sem ser aprovado. Há muito mais problemas dentro do próprio órgão para analisar os diversos processos que integram as fases da mineração do que problemas no próprio código. O Ibram realiza nesta semana, em Belo Horizonte, um congresso sobre minas subterrâneas e minas a céu aberto. Quais os destaques da agenda?Na verdade, são dois seminários e um workshop. É a quinta edição do Congresso Brasileiro de Minas a Céu Aberto e do Congresso Brasileiro de Minas Subterrâneas, além de um workshop de barragens. O Brasil está atravessando um período de grande desenvolvimento, em uma escala cada vez mais crescente, da indústria da mineração. Do ano passado para cá, revisamos os investimentos para os próximos cinco anos de US$ 25 milhões para US$ 57 milhões. Ou seja, crescemos em 100% as nossas projeções para cinco anos. Isso tudo dentro de um ambiente completamente adverso, por causa do início da crise das hipotecas americanas. Isso mostra claramente a confiança que o setor mineral tem no seu desenvolvimento.Quais os principais desafios?A indústria da mineração está passando por um processo acelerado de crescimento e incorporando processos tecnológicos com vistas a aumentar sua produtividade cada vez mais e a reduzir impactos ambientais. Nesse sentido é que a gente realiza esses dois congressos há cinco anos em parceria com o Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Vamos trabalhar, principalmente, a questão da saúde e da segurança. Se o Brasil está absolutamente avançado em termos de tecnologia de exploração e identificação mineral, o país ainda está um degrau abaixo no que diz respeito ao que há de mais moderno no mundo em termos de saúde e segurança. Pelo menos essa é a situação da maioria das empresas. Além disso, estamos levando para o seminário assuntos momentosos como, por exemplo, a questão da indústria de fertilizantes. É uma grande oportunidade para atualizar o setor mineral com o que há de mais moderno em termos de tecnologia e inovações.Por que um wokshop sobre barragens?Estamos inovando trazendo um tema absolutamente essencial para o setor, que é o workshop de barragens de rejeitos. Minas passou por dois episódios muito desagradáveis, com as barragens de rejeitos de bauxita de Miraí (em 2006 e 2007, o rompimento de barragens da Rio Pomba Cataguases Mineração provocou derramamento de lama por bairros e rios). O Estado tem mais de 600 barragens registradas. Dessas, mais de 400 são barragens de mineração, que vêm desde os tempos coloniais. O que o Ibram está liderando agora é um grande trabalho de disseminação de informações sobre barragens, com tecnologias de construção, controle e monitoramento. A pluviometria demonstra que a quantidade de chuvas tem sido praticamente a mesma nos últimos cem anos. O que aumentou foi o regime. Ou seja, ainda que chova a mesma quantidade em uma medida anual, há uma concentração maior. Chove menos em quantidade de vezes, mas mais intensamente. O senhor citou a questão dos fertilizantes, que serão alvo de um painel e estão em evidência por causa do seu peso na alta dos alimentos. Quais as dificuldades para a auto-suficiência brasileira, já que hoje o país importa a maior parte dos fertilizantes que consome?Hoje, você faz fertilizantes basicamente com nitrogênio, fosfato e potássio, todos eles minerais. O Brasil é o país que mais tributa fosfato e potássio no mundo. Você já viu fórmula mais eficaz para não ter uma indústria de fertilizantes do que essa? Não há jeito melhor. A alta carga tributária é umdos elementos essenciais da falta de uma indústria de fertilizantes vigorosa no país. Passa a ser um ótimo negócio importar o minério pronto e fazer a mistura no Brasil. Não é à toa que o país importa 91% do potássio, 60% do fosfato e 75% do nitrogênio que consome. É uma estrutura tributária muito pouco inteligente. Por isso, antes de se falar em cartel e minas que não são exploradas, o governo deveria analisar de forma equilibrada a estrutura tributária que cerca esses minerais.Nos últimos anos, o setor de mineração de minério de ferro se concentrou nas mãos de uma grande mineradora, a Vale. Agora, surgem novos players, como a MMX Minas e a Ferrous do Brasil. A concorrência é benéfica para o setor?Os ciclos de exuberância dos preços das commodities foram quais? Guerra de 1914 a 1918 (Primeira Guerra Mundial), guerra de 1939 a 1945 (Segunda Guerra Mundial), Guerra da Coréia (1950-1953), anos 1970 e, agora, o século XXI. Não podemos perder essas oportunidades que se apresentam de maneira tão espaçada. Quanto mais tivermos atores explorando a mineração no Brasil, tanto melhor para o país.

Hoje em Dia