O debate sobre o futuro da Amazônia nunca esteve tão nacional
04/07/08
Em grande parte, há uma relação forte e positiva entre a taxa de desmatamento, que vem aumentando nos últimos meses da Amazônia, e o preço de commodities agrícolas. Mas o pesquisador Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), ressalta que obviamente, o preço de commodities não é a única explicação. ?A ação ou não ação do Estado tem também uma interferência importante nas taxas de desmatamento?, diz ele, nesta entrevista exclusiva a O PARAENSE e ao PARÁ NEGÓCIOS. Ele não acredita que o debate sobre o futuro da região esteja internacionalizado. ?Muito pelo contrário, nunca esteve tão nacional. Há uma participação efetiva de várias instituições nacionais no debate sobre Amazônia e mudança climática que, nos últimos anos, aumentou consideravelmente?. ?Se eu for considerar a internacionalização da Amazônia, esta certamente se daria pela via do desmatamento e não pela via da conservação florestal?, destaca Moutinho, que considera que a vocação da região é manter suas florestas em pé. Sobre o anunciado plano do governo de plantar um bilhão de árvores na região, Paulo Moutinho diz que é preciso distinguir recuperação florestal com plantação de árvores. ?Plantação de eucalipto, por exemplo, em muitos sentidos não é uma floresta e sim uma monocultura e, portanto, resulta em vários impactos?. Após ressaltar que a principal contribuição para o agravamento da mudança climática ou do aquecimento global resulta do uso de combustíveis fosseis, Moutinho alerta que ?sem a redução do desmatamento tropical não teremos chance de manter a terra livre de uma alteração perigosa do clima, mesmo reduzindo rapidamente a queima de combustível?. Doutor em Ecologia, Paulo Moutinho é o coordenador de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), sucursal Brasília. Há quinze anos trabalha na Amazônia e atua também como professor orientador de pós-graduação da Universidade Federal do Pará. Participa desde 2000 das discussões internacionais sobre mudança do clima no âmbito da Convenção da ONU de Mudança Climática. É autor de dezenas de artigos e livros científicos e um dos autores da proposta de redução compensada do desmatamento, pela qual se pleiteia uma compensação financeira internacional aos países em desenvolvimento que fizerem esforços de redução de desmatamento. Nos últimos anos estuda as alternativas de desenvolvimento para a Amazônia que valorize a floresta e, simultaneamente, crie condições para o desenvolvimento econômico para a região. Pergunta — Tanto o INPE quanto o Imazon indicaram que está havendo o crescimento do desmatamento na Amazônia, o que deverá ser confirmado agora que se inicia o chamado verão na região. Você acha que é essa a tendência realmente? A que se deve esse recrudescimento do desmatamento na região? Você acha que os preços valorizados das commodities agrícolas, como a soja, é a principal explicação? Resposta — Certamente há um crescimento do desmatamento e que, pelo menos no curto e médio prazo, esta deve ser a tendência. Em grande parte, porque há uma relação forte e positiva entre a taxa de desmatamento e o preço de commodities agrícolas. Isto pode ser exemplificado também pela relação também positiva entre a taxa de crescimento do PIB amazônico e o desmatamento. Ou seja, quando há mais dinheiro circulando, há mais corte de árvores. Obviamente, o preço de commodities não é a única explicação. A ação ou não ação do estado tem também uma interferência importante nas taxas de desmatamento. Foi o que aconteceu nos últimos anos. Parte da queda nas taxas também foi em razão da ação enfática de fiscalização e campanhas do governo contra o desmate ilegal. Em algumas destas áreas a redução foi de 70% a 90%, um valor alto demais para explicar somente pelo baixo preço de commodities que imperava naquele momento. P — O aquecimento global e a atuação das multinacionais na região são apontados como questões que indicariam que o debate sobre o futuro da Amazônia já está internacionalizado. Qual sua opinião a respeito? Você acha que existe alguma ameaça à soberania brasileira sobre a região? R — Sinceramente, não vejo uma ameaça à soberania nos moldes em que esta vem sendo alardeada, isto é, uma invasão aos poucos do território através de instituições de todos os tipos ou de uma invasão armada. Isto não faz o mínimo sentido. Também não acho que o debate sobre o futuro da região esteja internacionalizado. Muito pelo contrário, nunca esteve tão nacional. Há uma participação efetiva de várias instituições nacionais no debate sobre Amazônia e mudança climática que, nos últimos anos, aumentou consideravelmente. O que temos que fazer, como sociedade e brasileiros, é definitivamente escolhermos o futuro que queremos para a região e cobrar ações neste sentido. A vocação da região é manter suas florestas em pé. O Brasil está num momento único de colocar em prática o sonhado desenvolvimento sustentável. E a Amazônia é um lugar perfeito para isto. Há ainda 80% de floreta que podem ser conservadas e seus recursos, se utilizados de maneira sustentável, trarão muita riqueza à região. Muito mais do que trouxeram as escolhas econômicas que fizemos até agora. Também, há uma área imensa já desmamada, em grande parte abandonada, a qual poderia abrigar uma atividade produtiva agrícola mais intensificada. Se eu for considerar a internacionalização da Amazônia, esta certamente se daria pela via do desmatamento e não pela via da conservação florestal. Considerando que mais de 75% da população da Amazônia se concentra nas cidades, a imensa floresta que lá está vem sendo defendida pelas populações que nela vivem e que, desta forma, prestam um serviço de guardiãs deste patrimônio. Isto não vem sendo reconhecido e até, por vezes, é considerado motivo de ameaça a soberania. P — Os governos estadual e federal continuam anunciando a criação de novas unidades de conservação no Pará. Você acha que esse é realmente o melhor caminho para conter o desmatamento? R — Não há duvida de que criar unidades de conservação traz um beneficio na redução do desmatamento. Mas, não precisam, necessariamente, ser vazias de gente. Um estudo recente realizado pelo IPAM, em colaboração com a Universidade Federal de Minas Gerais, o Woods Hole Research Center e o WWF, e lançado durante a última Convenção da ONU sobre diversidade biológica, mostra que ao criar uma UC, há um redução significativa do desmatamento futuro, tanto dentro quando no entorno da unidade. Uma cópia do estudo pode ser obtida do site do IPAM sobre clima e desmatamento (www.climaedesmatamento.org.br). Em muitos casos, aquelas unidades que mantém suas populações, sejam de indígenas ou extrativistas, têm um potencial grande de evitar desmatamento. Agora, é um bom caminho, mas não o único. P — Qual a sua avaliação sobre o projeto anunciado recentemente pelo governo para o plantio de um bilhão de árvores na região nos próximos anos? Você acha que o reflorestamento é outra alternativa contra o desmatamento? R — O reflorestamento promove vários benefícios. À medida que as árvores vão crescendo, há o seqüestro de carbono, a recuperação de várias funções ecológicas da floresta. Agora, é preciso distinguir recuperação florestal com plantação de árvores. Plantação de eucalipto, por exemplo, em muitos sentidos não é uma floresta e sim uma monocultura e, portanto, resulta em vários impactos. Precisamos verificar o que significa este plantio de um bilhão de árvores. Plantação ou restauração florestal? P — Na sua opinião, o combate ao desmatamento é a forma mais fácil e barata de minimizar os efeitos das mudanças climáticas na terra? Qual a discussão que se faz na comunidade internacional? Quais as novidades a respeito? R — A principal contribuição para o agravamento da mudança climática ou do aquecimento global resulta do uso de combustíveis fosseis (carvão mineral, petróleo e gás natural), especialmente nos países desenvolvidos. Assim, é preciso que tenhamos ações fortes de redução de uso destes combustíveis (o que não é nada fácil!) e a sua substituição por energias renováveis. O Brasil dá um show neste aspecto, já que em grande parte tem uma matriz energética relativamente limpa. No entanto, as considerações dos cientistas reunidos do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, o IPCC, indicam que sem a redução do desmatamento tropical não teremos chance de manter a terra livre de uma alteração perigosa do clima, mesmo reduzindo rapidamente a queima de combustível. Pois bem, o Brasil é dez na questão de energia limpa, mas deixa muito a desejar quanto a emissões de gases de efeito estufa oriundas da derrubada da floresta. Cerca de 75% da emissões brasileiras de poluentes que aquecem o planeta provem do desmatamento e queimadas da floresta, especialmente na Amazônia. Isto tem nos colocado entre os cinco maiores emissores do mundo, embora estejamos muito longe das emissões de China e Estados Unidos, por exemplo. O Brasil, para contribuir com a redução do problema da mudança do clima deve, portanto, reduzir seu desmatamento. E isto não deve ser de graça. Há hoje uma discussão no âmbito da Conferencia da ONU sobre mudança climática que busca meios de compensar países como o Brasil pelos esforços que estes fizerem na conservação de suas florestas e na redução do desmatamento. Deste modo, seria possível trazer divisas para o país e para a Amazônia pelos esforços de se manter a floresta. Hoje, o desmatamento avança porque não há valor monetário para conservação florestal. Este valor pode ser futuramente obtido se houver um mercado mundial de crédito de carbono que valorize a floresta e o estoque de carbono que ela abriga. O país e a população amazônica só terão a ganhar com isto.
Pará Negócios