A intromissão na Vale
10/08/09
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaça intervir na Companhia Vale do Rio Doce para sujeitar os planos da empresa aos seus interesses político-eleitorais. Não há outra explicação convincente para as crescentes pressões do governo, empenhado em levar a empresa a aumentar seus investimentos no Brasil. A Vale, uma das maiores empresas de mineração do mundo, havia aprovado em outubro um plano de aplicação de US$ 14,2 bilhões em 30 projetos, sendo US$ 9,9 bilhões destinados ao País. Meses depois a programação foi revista e o plano total foi reduzido para US$ 9 bilhões. Nenhuma grande exportadora de matérias-primas conseguiu escapar das consequências da crise global – nem mesmo as grandes fornecedoras da China, um dos países com melhor desempenho em 2009. A diretoria da Vale reagiu da forma normal diante de um quadro altamente desfavorável, adiando projetos. Ao proceder dessa forma, contrariou os interesses de um governante envolvido em permanente campanha eleitoral e obviamente disposto a usar todos os meios a seu alcance para vencer a disputa em 2010. O presidente Lula já havia pressionado a Vale quando a empresa anunciou a dispensa de 1.300 empregados no Brasil. Foi um corte pequeno, diante do porte da companhia e mesmo quando comparado com as demissões ocorridas noutros grupos. O governo esperneou, mas teve de aceitar os fatos, porque não tinha como forçar uma revisão da medida. Antes disso, o presidente da República já havia tentado reverter as demissões de 4 mil funcionários da Embraer, outra grande empresa dependente de exportações e também afetada pela recessão nos grandes mercados compradores. As pressões, nesses casos, foram muito fortes e envolveram ações na Justiça, mas também não produziram mais que barulho e perda de tempo. Embraer e Vale são empresas privatizadas. Como outras companhias vendidas pelo governo, ganharam agilidade e eficiência, tornaram-se mais lucrativas e aumentaram sua contribuição para o País, exportando muito, elevando os investimentos e recolhendo bom volume de impostos. Mas o governo do presidente Lula, assim como boa parte dos petistas e de seus aliados, nunca se mostrou inteiramente conformado com a privatização dessas e de outras companhias. Campanhas pela reestatização nunca foram abandonadas e ganham intensidade, de tempos em tempos. Grandes estatais são instrumentos de poder, podem alimentar caixas de campanha, servem às barganhas políticas e são excelentes para empregar companheiros. Não deve ser difícil mobilizar pessoal para essas campanhas, porque não faltam pretendentes a um bom empreguinho numa grande empresa controlada pelo governo. O uso político da Petrobrás, com a distribuição de patrocínios a municípios e a grupos alinhados com o governo, está amplamente comprovado e esse é um dos motivos da forte resistência do governo à instalação de um inquérito parlamentar sobre a empresa. A Valepar, controladora da Vale, com 53,9% das ações ordinárias, é formada por vários investidores – o fundo de previdência do Banco do Brasil (Previ), a empresa de participações do Bradesco (Bradespar), a BNDESPar e a trading japonesa Mitsui. Tem-se discutido, no governo, a possibilidade de maior intervenção nas decisões da Vale por meio de uma articulação entre a Previ e a BNDESPar. Até agora essa ideia não produziu resultados práticos, mas o presidente Lula e seus assessores próximos não dão sinais de desistência. Segundo uma fonte do BNDES, mencionada em reportagem do Estado, não há soluções impostas a ferro e fogo. Há apenas, acrescentou, uma tentativa de “convencimento”. Isso é melhor, aparentemente, que uma intervenção sem disfarce. Mas, de fato, são sempre inoportunas as tentativas de interferência nas decisões de uma empresa – investimentos, política de pessoal ou associações, como no caso da Petrobrás e da PDVSA. Sejam em companhias privadas, como a Vale, ou em estatais, como a Petrobrás e o Banco do Brasil, as intromissões são inaceitáveis. São iniciativas economicamente ruins e politicamente ameaçadoras, porque são sintomas de autoritarismo. As pressões sobre a Vale são genuíno motivo de preocupação por todos esses motivos.
O Estado de S.Paulo