Entrevista | Constantino Seixas Filho “Precisamos de investimentos na infraestrutura”
24/08/17
Portal da Mineração: A Internet das Coisas (IoT) está transformando a indústria e no segmento de mineração não é diferente. Quais são os principais benefícios destas novas tecnologias para o setor mineral?
Constantino Seixas Filho: O impacto da IIoT (Industrial Internet of Things) na área mineral é muito grande e se dá em diversas dimensões. Vamos citar apenas alguns exemplos de coisas que já estamos fazendo:
Sistemas autônomos:
A mineração busca recuperar o tempo perdido em relação às outras indústrias, que adotaram soluções robotizadas há mais de dez anos. Hoje, a mineração está buscando soluções autônomas para operação de equipamentos de mina, principalmente perfuratrizes e caminhões de transporte. Exisem soluções intermediárias, como LHDs, usadas em minas subterrâneas e operadas remotamente. Quase todas as grandes mineradoras já adotaram o conceito e estão implementando projetos. Outras operações no alvo das mineradoras são as máquinas de pátio (empilhadeiras e retomadoras), o carregamento de trens e as operações portuárias. O número de projetos já executados é muito grande. A Accenture, por exemplo, já tem solução de pátio autônomo e de carregamento otimizado de trens. O ganho na operação de retomada autônoma é de cerca de 10% na taxa de retomada em tons/h. No carregamento automático de trens, consegue-se um aumento médio de cerca de duas toneladas por vagão. Esse ganho de produtividade só foi possível pela adoção de novos sensores como Laser, LIDAR e RADAR e pelo uso de Inteligencia Artificial, trazidas pela IIoT.
Connected Mine:
A solução de mina conectada visa colher informações de todos os sistemas produtivos, da mina ao porto, armazená-los na nuvem, realizar data analytics de forma centralizada e depois distribuir o resultado para todos os gerentes e operadores da cadeia de produção, por meio de tablets. O connected mine é implementado em etapas, iniciando pela visualização de todo o processo produtivo e pelos alarmes.
Depois evolui para as funções de planejamento de toda a cadeia de produção. Na terceira fase é implantado o digital twin, que modela o processo produtivo e é capaz de indicar a “próxima melhor ação” para os operadores. O connected mine possui visão de produção, qualidade, pessoas, materiais e equipamentos, tudo integrado em uma mesma interface. Os dados são buscados nos sistema de geologia, despacho de caminhões, condição de frota de mina, câmeras de vídeo, historiadores, DCSs, PLCs, historiadores, ERP e LIMS – todos os diversos sistemas presentes em uma mina moderna. Ele produz uma revolução na integração horizontal da cadeia e na capacidade de obter informação relevante de uma grande base de dados. Com as novas técnicas de big data e data analytics, a hora da colheita é agora.
Digital Safety:
Compreende os diversos sistemas que trazem mais segurança para a operação de mineração: os sistemas de rastreamento de pessoas e veículos, os sistemas de monitoramento por imagem, os sistemas de monitoramento de barragens e encostas, etc.
Apenas como exemplo, um único projeto de uma reforma de um smelter de cobre, nos Estados Unidos, monitorou 2000 empreiteiros de diversas empresas e suas máquinas. Além do fator segurança, a mineradora visou aumentar a eficiência do projeto. Se um operador estava à espera de um equipamento, por exemplo, a central visualizava no mapa o local no qual o equipamento estava e com que equipe estava alocado, para agilizar o processo de liberação. O sistema também realiza a reconciliação das faturas das empreiteira, confere as horas extras e valida o número total de horas trabalhadas. Isso seria impossível de ser realizado por um processo manual.
O sistema de monitoramento de imagem tem diversas funcionalidades e pode ser usado, por exemplo, para saber se os operadores estão utilizando seus EPIs ou se tem algum operador fazendo uso de celular numa área de alto risco que exige máxima concentração.
Predictive Maintenance:
Hoje conseguimos adicionar sensores a um equipamento, monitorar sua condição em tempo real e, usando técnicas de deep learning, predizer quando o equipamento irá falhar, com semanas e até meses de antecedência. O valor disse é, em primeiro lugar, reduzir as paradas não programadas, que acarretam perda de produção. Ainda, reduzir o custo da manutenção (a manutenção corretiva é a mais cara de todas e no entanto continua sendo a mais comum). Na área de preventiva também houve um grande avanço e todo o processo é assistido por dispositivos móveis.
Connected Worker:
O operador de campo foi empoderado pela tecnologia wearables: smart glasses, smartwatches, tablets e smartphones. Imagine ter que realizar uma manutenção de campo e dispor de todos os documentos em formato digital em um tablet, incluindo diagramas P&IDs, procedimentos de manutenção de calibração de uma balança ou de inspeção de campo. A ineficiência dos processos de campo sem esse tipo de assistência é enorme. Aagora e possivel reduzir uma atividade que levaria dias a alguns minutos.
Imagine agora que eu tenha que fazer uma operação no campo à qual não estou familiarizado durante um fim de semana e que eu posso recorrer a um especialista externo, localizado em outra cidade, mas que vê tudo o que os meus óculos enxergam e que consegue me dar instruções sobre aquilo que eu visualizo, ao mesmo tempo em que me explica o que eu devo fazer pelo headphone. Qual o aumento de eficiência trazido por esta funcionalidade ? Nós estamos falando em proporcionar um novo nível de experiência, nunca antes visto numa operação de mineração.
Remote Operating Centers:
Todas as mineradoras já implementaram, ou estão estudando como implementar, centros integrados de operação, logística, manutenção e infraestrutura. Algumas empresas estão muito evoluídas nesse processo e outras estão começando essa jornada agora.
Mas tudo isso requer investimentos em infraestrutura. A cobertura de toda a planta por uma rede wireless é muito importante. É preciso ter uma comunicação de dados confiável.
PM: Como funcionam os objetos inteligentes aplicados ao setor mineral?
Constantino Seixas Filho: O setor de mineração, por conta de sua complexidade, extensão, variabilidade e necessidades especiais, é o que mais requer objetos inteligentes para a solução de problemas.
Os objetos da mineração são muito grandes e compostos por diversos outros objetos. Tome um caminhão fora de estrada, por exemplo. Um dos componentes mais caros desse caminhão são os pneus. O pneu inteligente é aquele que dispõe de sensores para medir pressão e temperatura.
Esse subsistema é vendido, em geral, pelo fabricante de pneus e ele tem que utilizar um protocolo para conversar com o computador de bordo do caminhão que recolhe informação de centenas de outros sensores, para uma visão integrada da condição dos equipamentos, do peso da carga, dos esforços mecânicos no caminhão, da condição da estrada e da proximidade de obstáculos. Tudo isso tem que ser disponibilizado em tempo real em uma central de operações, na qual algoritmos inteligentes realizam o despacho dos caminhões e o controle do ciclo de vida dos ativos.
Precisamos de Inteligência também para caracterizar o minério na mina, permitindo um melhor funcionamento dos algoritmos inteligentes de blindagem, visando estabilizar a alimentação da usina de concentração.
O digital twin da mina simula todas as condições operacionais, testa milhões de cenários por minuto e decide qual a melhor estratégia a ser adotada para orquestrar todos esses processos e otimizar um ou mais objetivos de negócio selecionados.
PM: Quais são as ferramentas e recursos digitais que estão sendo implementados pelo setor mineral brasileiro?
Constantino Seixas Filho: As empresas brasileiras estão utilizando muitas das soluções mencionadas acima, embora os investimentos no setor tenham sido drasticamente reduzidos nos últimos anos. Vimos empresas australianas, americanas e chilenas avançarem muito durante essa fase de maior dificuldade para a indústria da mineração em geral e em particular no Brasil.
Na área de programação integrada da produção e MES as empresas líderes brasileiras fizeram investimentos na hora certa. Vemos o assunto ROC sendo retomado no Brasil e um foco em operações autônomas de máquinas de pátio e carregamento de trens.
Estamos atrasados na área de otimização de controle regulatório (apesar de grandes avanços realizados no passado) e no controle avançado de processos, tanto em relação aos segmentos de petróleo e papel & celulose, como também em relação a outras mineradoras internacionais.
PM: A implementação de novas tecnologias no setor industrial tem muitos desafios a serem enfrentados. Quais são os principais desafios da digitalização na mineração?
Constantino Seixas Filho: O primeiro e maior desafio é realizar a chamada convergência IT-OT, isto é, a convergência dos sistemas de TI com os sistemas de operação. Enquanto essa governança não for unificada e as arquiteturas não forem integradas, teremos dificuldade de evoluir na velocidade que a revolução digital exige.
Também precisamos de investimentos na infraestrutura. Esse desafio tem que ser enxergado como um compromisso da organização e não de uma área operacional, que precisa implantar um projeto para ganhar produtividade.
Também não é produtivo ter operações de campo que coletem dados manualmente numa indústria que depende de data analytics para poder tirar as conclusões necessárias para operar bem. Chegou o fim da mineração ser uma indústria que dispõe de um oceano de dados, e de um deserto de informações.
PM: Qual a importância de se debater a Digitalização Iminente e a Internet das Coisas na Mineração durante a EXPOSIBRAM 2017? Que tipo de contribuição o Congresso pode proporcionar para as empresas, governo e atores públicos?
Constantino Seixas Filho: A Exposibram é o principal fórum no país para se discutir os desafios e as necessidades da indústria de mineração. É o momento de discutir como agilizar a modernização do processo produtivo, buscando aumento de eficiência e de competitividade das empresas brasileiras. A Industry X.0 se coloca como uma solução para diversos problemas dessa indústria e por isso esse assunto deve ser debatido. É imensa a desinformação sobre o potencial das novas tecnologias.
Nesse congresso queremos mostrar para todos os atores responsáveis pelos resultados do setor o que as outras empresas do setor de mineração e de outros setores estão fazendo diante de cenários de instabilidade economica. Vamos mostrar que há caminhos viáveis, que outras empresas já estão trilhando.