03/12/07

O presidente da segunda maior mineradora do mundo fala de sua relação com o poderSão 16 horas em ponto da terça-feira 27 quando Roger Agnelli entra na sala número 4 da sede da Vale do Rio Doce, no centro do Rio de Janeiro. Sempre bem alinhado como na foto abaixo, desta vez Agnelli aparece com a gravata frouxa, cabelos desgrenhados, olheiras profundas. Está cansado. Escolhido um dos 100 brasileiros mais influentes, ele chegara naquela manhã da França, onde recebera uma homenagem única. De Paris, Agnelli tocou o tradicional sino que abre o pregão da Bolsa de Valores de Nova York. Transmitido ao vivo para um telão nos Estados Unidos, o gesto inaugurou uma parceria entre a Bolsa mais importante do mundo e a de Paris. Pela primeira vez, o pregão de Nova York foi aberto por alguém que estava em outro país. Escolhido para a tarefa entre os executivos mais prestigiados do mundo, nesta entrevista Agnelli fala dos novos investimentos da Vale e de seu relacionamento com o poder.ÉPOCA ? É verdade que a Vale já assinou um memorando de intenções com a Tata, da Índia, e que está negociando com a JFE, do Japão, para se tornar sócia dessas usinas siderúrgicas no Brasil? Roger Agnelli ? Ainda não está assinado. Mas conversei, sim, com a Tata e com a JFE . Também com outras siderúrgicas, como a Posco, da Coréia do Sul. Esse não é um processo simples. Trazer siderurgia leva tempo e muito dinheiro. Precisa ter infra-estrutura, porto, sistema ferroviário eficiente. Precisa de muita negociação. É isso que estamos fazendo agora.
ÉPOCA ? Quanto a Vale vai investir? Agnelli ? Uma siderúrgica de grande porte custa cerca de US$ 4 bilhões. Nessas parcerias, a Vale quer entrar com 10% a 20% do valor total do investimento. Ajudamos nossos clientes estrangeiros a se instalar no Brasil, e eles compram nosso minério de ferro.
ÉPOCA ? O investimento nessas novas siderúrgicas é uma resposta ao presidente Lula? Nas últimas semanas, especulou-se que ele estaria aborrecido com a Vale por achar que a empresa investe mais no exterior que no Brasil. Agnelli ? Nos últimos 20 dias, estive duas vezes com o presidente Lula. Ele não fez nenhuma reclamação.
ÉPOCA ? Muita gente está comentando… Agnelli ? A Vale tem realizado muitos investimentos no Brasil. O que talvez esteja acontecendo é o anseio do presidente de ver o país crescer mais na área de siderurgia. Ele quer que a Vale ajude a tornar viável mais usinas siderúrgicas no país. Nesse ponto, a Vale está fazendo sua parte.
ÉPOCA ? Que tipo de cobrança ou pedido o presidente costuma fazer? Agnelli ? Quando estou negociando com alguma siderúrgica, ele me liga para perguntar se precisamos de algo para concretizar a parceria, se pode ajudar de alguma forma. Ele é muito ativo nisso.
ÉPOCA ? Isso não é uma interferência indevida do presidente? A Vale não é mais estatal. Agnelli ? Não é estatal. No entanto, pelo tamanho que a Vale tem, pelo relacionamento que tem no mundo da siderurgia, por sua atuação global, é natural que o presidente pergunte sobre investimentos. Quando preciso de apoio para acelerar um projeto no exterior, também peço ajuda a ele. Pedi ao presidente Lula para ligar para o presidente do Peru, Alan García, e apresentar a Vale. E ele ligou. A mesma coisa foi feita com o presidente de Moçambique. Esse tipo de iniciativa ajuda muito. O presidente Lula não faz nada diferente dos outros presidentes. Ele quer atrair investimentos, como todos eles.
ÉPOCA ? O senhor já foi procurado por presidentes de outros países? Agnelli ? Há duas semanas tive uma reunião com o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia. Ele pediu um encontro comigo para falar sobre seu país. Uribe apresentou a Colômbia, disse que se trata de um país seguro para investir, falou de incentivos fiscais para atrair investimentos de porte. O próprio presidente se compromete. Hoje, estou avaliando construir na Colômbia uma usina hidrelétrica e uma mina de carvão. O presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, também costuma ligar para discutir investimentos. Que presidente não gosta de ver recursos entrar em seu país?
ÉPOCA ? Todos os governadores estão de olho no dinheiro da Vale. Como eles fazem pressão? Agnelli ? Não se trata de pressão, mas é claro que muitos governadores desejam ter sua siderúrgica. Todo mundo quer sua produção de aço. O problema é que não é viável colocar siderúrgica em todo lugar.QUEM ELE ÉPaulistano de 47 anos, é casado e tem dois filhos. É graduado em Economia pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap)
O QUE FAZ Épresidente da Vale do Rio Doce, a segunda maior mineradora do mundo. Está na Vale desde 2001. Antes, trabalhou 20 anos no Bradesco
PREFERÊNCIASÉ palmeirense desde criança. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, passou a torcer também para o Vasco
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Os presidentes da Colômbia e da África do Sul me telefonam para pedir investimentos. Por que com Lula seria diferente? Os presidentes da Colômbia e da África do Sul me telefonam para pedir investimentos. Por que com Lula seria diferente? ÉPOCA ? É verdade que a Vale vai abrir uma empresa de energia? Agnelli ? Energia é uma questão estratégica para nós. A Vale é a maior consumidora de energia do Brasil. Para que a Vale continue a ser competitiva, é preciso investir em novos combustíveis, em novas formas de produção. Participamos do projeto de biodiesel, com a Petrobras. Adquirimos, também com a Petrobras, várias áreas para a exploração de gás. Estamos de olho nas usinas do Rio Madeira. Por todas essas razões, pensamos em criar uma empresa dedicada ao setor.
ÉPOCA ?Já existe um projeto em andamento no interior de São Paulo… Agnelli ? Sim, criamos em São José dos Campos um projeto com a turma do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Descobrimos que pesquisadores do ITA desenvolveram uma turbina capaz de funcionar com gás podre, de biomassa e até de lixo, como o metano. Isso é fantástico, por se tratar de uma tecnologia que poucos países dominam. Além do projeto de São José, queremos fazer, em 2008, um centro tecnológico na área de mineração e outro voltado para processos de produção, que deverão ser construídos em Minas Gerais e no Pará.
ÉPOCA ? O senhor passou mais da metade de sua carreira no Bradesco. Mas parece gostar mais de mineração que de banco. Agnelli ? Gosto muito do meu trabalho. Vou a Paris, e todo mundo quer me receber, os banqueiros oferecem oportunidades, os empresários querem manter contato. É assim na França, nos Estados Unidos, na China, no Japão.
ÉPOCA ? O senhor acabou de voltar de Paris. O que foi fazer lá? Agnelli ? Fizeram um evento para celebrar uma parceria entre a Bolsa de Nova York e a de Paris . A Vale foi convidada para realizar a abertura remotamente. Foi a primeira vez que o pregão de Nova York foi aberto por alguém que estava em outro país. Toquei o tradicional sininho de abertura dos pregões. No fundo, é o reconhecimento da empresa. Não dá orgulho um negócio desses?
ÉPOCA ? Quando trabalhava no Bradesco, o senhor cuidava do dinheiro dos outros. Hoje, quem cuida de seu dinheiro? Agnelli ? Meu dinheiro está aplicado em títulos de renda fixa e em ações da Vale. Tenho também um pouquinho de ações da ABB (Asea Brown Boveri, multinacional do setor de equipamentos pesados). É que sou conselheiro da empresa, e eles me pagam em ações.
ÉPOCA ? No banco, o senhor foi responsável pelos investimentos em Bolsa de Valores e no mercado de capitais. Agora que a Bolsa está em alta, não seria hora de colocar mais dinheiro em ações? Agnelli ? Não invisto mais em ações porque não quero ficar preocupado em acompanhar as empresas dos outros. Você fica nervoso com o mercado, polui a mente. Quero ficar focado o tempo todo na Vale.
ÉPOCA ? Então, é melhor ser garimpeiro… Agnelli ? Garimpeiro abre buraco. A Vale é uma indústria. Para abrir uma mina, é preciso investir muito, construir plantas industriais, treinar profissionais. Minério não dá na Praça da Sé (centro de São Paulo) nem na Avenida Rio Branco (centro do Rio de Janeiro). Dá em lugares remotos. Para levar gente a esses locais, construímos escolas, hospitais, fazemos saneamento. Como você vê, isso não é coisa de garimpeiro.