Mercado financeiro nunca esteve tão agitado como agora
05/05/08
O Unibanco repaginou a oferta de tarifas reduzidas e reformulou o banco de investimentos; o Banco do Brasil (BB) partiu para as aquisições de bancos estaduais; o Itaú realizou profundas mudanças administrativas para que seu presidente pudesse pensar mais na estratégia; o HSBC deu um gás nas operações de São Paulo; e o Bradesco resolveu comprar a corretora Ágora e criar uma subsidiária apenas para cartões. O mercado financeiro nunca esteve tão agitado. Nas últimas semanas, tem sido intensa a movimentação dos bancos. Todos estão se preparando para a esperada fusão do Banco Real com o Santander. Fechada no ano passado como parte de uma operação global bilionária de nada menos que ? 71,1 bilhões de euros, a compra do Real pelo Santander deve levar três anos para resultar em um novo banco unificado no mercado brasileiro e apenas ela representou ? 10,86 bilhões de euros. O plano completo de fusão só deverá ser divulgado em outubro. Mas os bancos estão se preparando, incomodados com o poder do novo concorrente, que será o terceiro maior de capital privado do mercado em ativos totais, um dos maiores no financiamento de veículos, no crédito para pequenas e médias empresas e no segmento de pessoa física de alta renda. O novo Santander será o mais forte do mercado paulista, praça que concentra 60% do crédito e 66% dos depósitos captados em todo o país. Por isso os maiores bancos do mercado estão acelerando os preparativos para reforçar as linhas de negócios e, de quebra, tentar tirar proveito dos traumas e sobras que sempre ocorrem em fusões do porte da que será a do Santander com o Real. Não é por outro motivo que Unibanco e HSBC reforçam as baterias no atendimento da alta renda, por exemplo. Domingos Rodrigues Pandeló Jr., professor de finanças do Ibmec e do LABFIN/FIA, espera que a fusão tenha impacto importante na competição entre os maiores bancos de varejo. “O Santander passará a participar do grupo de líderes do setor bancário, os cinco maiores bancos que concentram os negócios no mercado brasileiro. Não por acaso o Banco do Brasil partiu para as aquisições de bancos estaduais. É uma resposta”, diz o professor. Pandeló Jr. espera alguma superposição das carteiras dos dois bancos, mas acredita que a complementaridade é significativa. O ABN tem uma clientela importante de middle market e vai agregar também na alta renda e no financiamento de veículos. Além disso, tem boa imagem no mercado. O Santander, por causa do Banespa, é muito centrado em São Paulo. O ABN tem uma malha mais nacional, explica o professor. Com a fusão, os dois bancos adquirem um novo porte e, como frisa Pandeló Jr., ganham escala. “Ser grande no mercado varejista é um bom negócio. Ter rede de agências grande dá capilaridade, facilita a captação de dinheiro e amplia a venda de produtos”, afirma. “O Santander vai para o grupo que impõe tarifas e taxas.”A revolução pela qual passa o mercado não significa necessariamente vantagem para os clientes dos bancos. “No mercado financeiro brasileiro, a assimetria de informações é muito presente. Não há concorrência perfeita”, avalia Pandeló Jr. Há uma inércia grande para mudar de banco, por exemplo. Um dos motivos é que o histórico de relacionamento é muito importante em alguns produtos como cheque especial. Trocar de um banco para outro tem um custo. A consolidação continua? Para Pandeló Jr., o processo “se acomodou”, até porque praticamente não há alternativas de aquisições. “Os bancos de varejo de médio porte desapareceram”, diz o professor, que conta mais com “mexidas pontuais” como compra de carteiras. “Agora se acelera a necessidade de crescimento orgânico, de expandir produtos e serviços.”A estratégia de crescimento orgânico dos bancos tem sido bastante agressiva, especialmente em busca de clientes e escala na base da pirâmide de renda. Até porque criar um novo banco é mais dispendioso. O professor Luiz Fernando de Paula, da UERJ, lembra que o setor bancário vem passando por forte consolidação desde o Plano Real e a concorrência aumentou. Em dezembro de 1995, havia 203 bancos, dos quais 30 estatais, 38 estrangeiros e 135 privados nacionais. Agora, são 156, 13 estatais, 51 estrangeiros e 92 privados nacionais. O número de bancos diminuiu e os negócios ficaram mais concentrados, com os bancos maiores, mais fortes. Em 1996, os dez maiores bancos concentravam 60,1% dos ativos do setor bancário; no final do ano passado, 77,4%. O presidente do HSBC, Emilson Alonso, alerta para o fato de que quase metade dos ativos pertence a dois bancos estatais, o BB e a Caixa Econômica Federal. Luiz Fernando de Paula afirma que a concentração é uma tendência não só no Brasil, mas em todo o mundo e em vários setores mais dinâmicos da economia como mineração, ferrovias e telecomunicações. No Brasil, os cinco maiores bancos concentravam 50,5% há dez anos e 54% no ano passado; na Espanha, o índice passou de 38,1% para 44,6%; no México, de 76,2% para 79,6%; e no Canadá, de 79,3% para 81,6%. As aquisições mais recentes importantes no mercado de varejo tiveram origem em estratégias internacionais, como a venda do BankBoston para o Itaú em 2006; do Lloyds para o HSBC em 2003 e a compra do Real pelo Santander. Compras de bancos brasileiros por estrangeiros foram de menor porte, como a aquisição do Pecúnia e Cacique pelo Société Générale; e a do BGN pela Cetelem.As exceções são as compras de bancos de investimento brasileiros por estrangeiros, como a do Pactual pelo UBS e a da Hedging Griffo e Garantia pelo Credit Suisse. Outra faceta do mercado brasileiro foi o desenvolvimento dos bancos pequenos e médios especializados em nichos como o crédito consignado e os empréstimos às pequenas e médias empresas. Esses bancos encontram na abertura de capital e venda de ações uma extraordinária alternativa para crescer e ganhar maior espaço no mercado. Mas existem alguns desafios, segundo Luiz Fernando de Paula. Um deles é que o fenômeno aumentou a concorrência em algumas linhas de negócio, obrigando até os grandes bancos a reagir. Isso acirrou a competição. O professor lembra também que as pequenas e médias empresas são as mais sensíveis a oscilações da economia. “O retorno é maior, mas o risco é maior também. O problema será sentido quando a economia passar por algum choque”, diz. Outro desafio são os custos fixos e o fato de não entrar em áreas como seguros, previdência e capitalização. Para o banqueiro Emilson Alonso, a consolidação dos bancos no Brasil só vai ganhar impulso com a redução da rentabilidade, com a redução das tarifas, a substituição de produtos. Outro motor da consolidação seria uma retração do mercado. Por enquanto, há muito espaço para crescer e o retorno é elevado. “Há 20 milhões de CPF com renda mensal de R$ 750”, afirma Alonso, acrescentando que a atratividade da baixa renda explica a entrada do grupo mexicano Salinas, com seu banco Azteca, no mercado brasileiro. Alonso calcula também que 300 milhões de pessoas não são bancarizadas na América Latina, mais de um terço das quais estão no Brasil. Dois dos maiores bancos do mercado são estatais, afirma, e podem trabalhar com retorno menor, mas não conseguem trabalhar com tarifa mais baixa. Para ele, os bancos públicos têm que ser tão eficientes quanto os privados. “É bom para o sistema financeiro ter um mix em bancos governamentais, privados nacionais e estrangeiros. É um equilíbrio bom para todos”, avalia Alonso.
Valor Econômico